E a saga continua! Após o sofrimento de escrever e ler-se, o escritor (alguns exemplares da raça) passa por um processo de luto. Ao entregar o seu original à editora e passar pela experiência de ter a sua obra e sua vida reviradas por um “estranho” (aqui representado pelo editor) o autor se vê num estado de perda. Deixa para trás mais do que um conjunto de pensamentos, mas um conjunto de si mesmo. E esse conjunto morre. Dessa forma, ele fica viúvo. Viúvo de si mesmo. Há um vácuo entre o último ponto final e a próxima obra. O que escrever agora? O que interessará ao leitor? E o que interessará a ele mesmo?
O “branco” que surge não cobre o preto do luto. Mais do que a angústia do que ele poderá escrever,alguns escritores vivem, nesse momento, a plenitude de uma viuvez imposta pela vida literária. Aflora um sentimento de que a sua última obra foi a sua maior e (última) manifestação de criatividade esplendorosa. Nada mais surgirá após o último livro. Está acabado. Enterrado. Morto e sepultado. E não há indícios de uma possível ressuscitação! A obra (aquela já entregue à editora) não renascerá. Foi deixada lá na editora para sempre. Sempre. Será que algum dia em sua vida o escritor conseguirá, novamente, escrever algo novo? Será que conseguirá “engravidar-se” de palavras e expressões novas? Eis a viuvez melancólica. Talvez aquela obra tenha sido a última. A sua última manifestação de vida. Agora, autor e obra estão condenados ao luto. Um luto de pai, mãe e filho. Ficou viúvo e órfão. Vive o pior momento de sua dor. Enquanto espera o livro sair da gráfica e ir para as livrarias o escritor se esconde de si mesmo. Não vê mais saída. Como dar continuidade à sua vida literária agora, após a morte de sua última manifestação criativa? Como olhar o sol e a lua e não remeter-se ao último livro. Somente nele, no último livro, as palavras saíram com uma exatidão profunda. Somente ele, o último livro, continha as emoções certas e agora, sem ele, como viver e sobreviver? É um luto de pele, de sentimentos e de letras. Está tudo acabado. Morreram as ideias, as letras, os parágrafos mais belos, as rimas mais perfeitas, as personagens mais ilustres, juntamente com a sua vida de escritor compartilhado. Será excluído e bloqueado das redes sociais. Afinal, quem irá querer manter contato com um escritor não mais publicado?
E, em seu momento mais enlouquecedor de sua dor, eis que o livro fica pronto e sai da gráfica e segue o seu caminho literário: a sessão de autógrafos é o renascimento de uma vida literária. Será uma sessão e exorcismo. Sessão de terror ou, enfim, o escritor viverá o milagre da ressurreição?
08/04/2015
Compartilhe
Comentários:
Maravilhoso, Cláudia! Isto acontece com as pinturas, quando as vendemos, também!! Abraços Mariza Nonohay, Porto Alegre14/04/2015 - 17:32
Envie seu comentário
Preencha os campos abaixo.
Cláudia de Villar
Cláudia Oliveira de Villar é natural de Porto Alegre/RS e atua desde 2000 como professora de séries iniciais do ensino fundamental em escola pública estadual. Possui doze livros publicados, sendo dez para o público infanto-juvenil e dois para adultos: Eu também... (Alcance, 2005, infantil), Bola, sacola e escola (Manas, 2009, infantil), Zé Trelelé no Gre-Nal (Manas, 2010, infantil), Uma foca na Copa (Manas, 2010, infantil), Meu Primeiro Amor (Manas, 2011, infantil), Aprendendo a viver e ensinando a sonhar (Manas, 2012, adulto), Rambo, um peixe no fandango (Manas, 2013, infantojuvenil), Mano e a boneca de pano (Manas, 2013, infanto-juvenil, O Mistério do Vento Negro, volumes I e II(Imprensa Livre, 2014-2015, juvenil), Um Continho de Natal(Metamorfose, 2016) e o lançamento de 2018: Histórias para ler no Intervalo ( Metamorfose, 2018). Participou de três antologias, Brasil Poeta (Alcance, 2005), Casa do Poeta Rio-Grandense (Alcance, 2005) e Mercopoema (Alcance, 2005) e uma coletânea de contos, Metamorfoses (Metamorfose, 2016). Além do curso de Magistério, Cláudia é graduada em Letras, especialista em Pedagogia Gestora e Supervisão Escolar. Atua no meio educacional também como mediadora de leitura e, como jornalista colaboradora, a escritora é colunista do Jornal de Viamão/RS, bem como escreve para o portal Artistas Gaúchos, Homo Literatus e Almanaque Literário.
Os comentários são publicados no portal da forma como foram enviados em respeito
ao usuário, não responsabilizando-se o AG ou o autor pelo teor dos comentários
nem pela sua correção linguística.