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Reflexão

Crônica sobre a utopia
Solon Saldanha

O inglês Thomas More nasceu antes de Cabral encontrar o litoral brasileiro, na altura da Bahia. Foi em Londres, no ano de 1478. E nosso país tinha apenas 16 anos de existência oficial quando ele escreveu sua obra Utopia, um romance filosófico. Este título foi inventado pelo autor, com a junção de duas palavras gregas. Eram elas “Ou” (não) e “Tottoç” (lugar). Pela etimologia, seria simplesmente “lugar que não existe”. Ele foi um humanista e leitor contumaz dos filósofos clássicos, que estudou em Oxford. Chegou a ser chanceler do Rei Henrique VIII, mas acabou condenado à morte por esse mesmo soberano, ao se opor ao seu divórcio de Catarina de Aragão, necessário para que se casasse com a amante Ana Bolena – a mulher que tinha seis dedos em uma das mãos.

Utopia foi o nome dado não apenas para essa obra de More, como também para um país imaginário que ela descreve. Nele o governo era organizado de tal modo que o povo tinha a seu dispor condições suficientes para que todos vivessem de forma equilibrada e feliz. Uma espécie de anti-Brasil – e na verdade algo que ainda não se encontrou em país nenhum, apesar de alguns estarem infinitamente mais perto disso do que nós. Essa civilização fantástica proposta pelo inglês tinha como base leis justas, instituições políticas e econômicas de fato comprometidas com o bem coletivo acima do individual ou de pequenos grupos, a divisão do trabalho e dos bens de forma equânime e a liberdade religiosa.

Na atualidade o termo é aplicado para tudo o que é sonho, para um ideal inatingível. Ou para quem busca ardentemente por ele. O utópico é o esperançoso incorrigível. É aquele que nada contra a maré e segue acreditando no futuro melhor, mesmo quando as evidências apontam em sentido contrário. Por outro lado, quando nos referimos ao pensamento utópico se entende que este seria fruto da racionalidade política, da materialização da fantasia, da luta pela conquista da vitória do ideal buscado sobre o real indesejado. More defendia a liberdade de pensamento, que seria a base, a semente a ser lançada sobre terreno fértil onde frutificariam as discussões filosóficas construtivas. E nesse lugar, em virtude dessa característica racional, a autoridade viria da razão e ela estabeleceria as condutas ao invés de reis ou na igreja. Sintetizando, no pensamento boviniano atual, More era um comunista safado, mesmo não existindo ainda o comunismo – Karl Marx nasceria apenas 302 anos depois deste livro, em 1818.

Falar em sonhos significa arriscar discussões em várias áreas distintas do conhecimento humano, como ciência, religião e cultura. A primeira, quando faz uma análise da questão fisiológica, afirma que eles são simples subproduto da atividade cerebral noturna. Aconteceria durante a fase do sono que coincidente com a movimentação rápida dos olhos. Se a análise for pela psicologia, seria a realização de desejos reprimidos quando se está na vigília, normalmente pelos “freios” que a sociedade estabelece. Quando aspectos religiosos se manifestam, garantem ser experiência revestida de significados e de poderes premonitórios, além da possibilidade de tratar-se de expansão da consciência. O sonho que a utopia representa é o cultural, o da percepção das diferenças entre o mundo real e aquele que deve ser buscado. Como pretendiam as 20 mil pessoas de 117 países que se reuniram em Porto Alegre, durante a primeira edição do Fórum Social Mundial, em 2001. O slogan era tão sugestivo quanto utópico: “Um outro mundo é possível”.

Os utópicos de hoje em dia acreditam que a igualdade racial será alcançada, que é possível investir mais em saúde e educação do que em armamentos, que o combate à fome vai ser algo seriamente adotado por todos os governos, que teremos o meio ambiente finalmente protegido, que a miséria ainda será apenas uma triste recordação do passado e que a fé – seja ela qual for – não será mais utilizada como instrumento de alienação. Os pragmáticos os chamariam simplesmente de estúpidos. Mas sem essa doce estupidez, o que nos restaria?

08/07/2020

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Comentários:

Formidável texto, com todos os elementos da crônica: histórico, sucinto, numa linguagem acessível linguagem acessível culminando no cotidiano. Amei.
Maria José Monte Holanda, Fortaleza/Ce 27/07/2020 - 14:25

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  Solon Saldanha

Solon José da Cunha Saldanha, graduado em jornalismo, tem especialização em Comunicação e Política, além de mestrado em Letras. Com experiencia na mídia impressa, rádio e assessoria de imprensa, atua como revisor estilístico de textos e professor universitário. Escreve contos e crônicas.

solonsaldanha@gmail.com


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