As condições gerais das famílias, embora pouco se possa precisar sobre dados referentes ao assunto leitura na família, tem nos levado a constatar que o brasileiro, como povo, não absorveu a cultura do livro e da leitura como se perpetua em países desenvolvidos.
Em muitos lares, a televisão, o celular e o tablet ocupam hoje o espaço vazio da comunicação no meio familiar; as crianças e os jovens assumem várias atividades fora do período escolar como academias, aulas extras de dança, música, esportes. A vida familiar é cada vez mais corrida e superficial.
Ao longo do tempo, a leitura deixou de ser uma questão de cultura para se transformar numa questão de educação, legislada e regulamentada pelos órgãos públicos e privados e a ser executada pela escola, sob a orientação dos professores do Ensino Fundamental e Médio.
Não se discute a intensidade de aprimoramento das ações do “ler na escola”, uma vez que cabe, sim, à instituição escolar, a formação do aluno no que diz respeito à capacidade leitora. O que causa desconforto é o tratamento dado à leitura como atividade quase que exclusiva do órgão educacional, num tempo e espaço nem sempre bem direcionados e avaliados.
Porém, um olhar mais apurado para o cenário contemporâneo revela uma mobilização de organizações da sociedade civil que vem possibilitando a continuidade da formação leitora de crianças e jovens através de ações desenvolvidas em espaços para além da escola e de livre acesso da comunidade.
Um exemplo são as bibliotecas comunitárias existentes em Porto Alegre que são fruto do trabalho de associações de bairros e de moradores, clubes de mães e organizações não governamentais, distribuídas em diferentes bairros da cidade. Nasceram da luta de moradores que, com objetivos em comum, viram a importância dos cidadãos terem acesso aos diferentes meios culturais, destacando o livro como o principal instrumento de democratização da cultura e da informação. Este mesmo valor é acalentado em propostas individuais por indivíduos que desejam compartilhar a leitura e os livros na comunidade. Constantemente circulam notícias de instalação de pequenas bibliotecas em prédios cedidos por pessoas abnegadas, o que se constitui numa forma socializada de abrandar a carência de leitura e de informação nos meios mais carentes da sociedade.
Da parte de investidores privados tais como imprensa, rádio, TV e outras mídias tem-se acompanhado algum avanço em relação a iniciativas e comprometimento com o papel de alavancar, sugerir, experimentar e premiar metodologias inovadoras e ainda promover campanhas no campo da leitura.
Abrangendo um público mais restrito, começam outros setores menos convencionais como cafeterias, supermercados, clínicas, academias, postos de saúde, hospitais, clubes, centros comerciais e lojas de conveniência a disponibilizarem áreas para leituras nas suas dependências. De forma análoga, tem-se integrado às ações de expansão da leitura, os transportes privados e públicos – taxis, ônibus e trens, que costumam circular com poemas e contos premiados em concursos literários.
Grupos de escritores e ilustradores buscam alternativas e se mobilizam na oferta de atividades conjuntas para leituras compartilhadas, contação de história, mediação de leitura e troca de livros, ocupando parques, praças, condomínios, clubes, estádios, estacionamentos e outros logradouros de fácil acesso às crianças, aos jovens e família. Constituem áreas urbanas de intensa concentração de público onde as obras de literatura infantil e juvenil produzidas, principalmente por autores gaúchos, fazem a diferença, favorecendo e valorizando o autor local.
No ambiente digital é grande a disponibilidade de textos infantis e juvenis, de jogos, de games e de vídeos que exploram histórias, lendas, acontecimentos e lugares. Abrem-se ao mundo virtual de livre acesso, ao conhecimento, à informação e à formação do leitor com apoio na interação e na ludicidade.
Embora sejam movimentos que se deva ter cautela porque recente, todas estas manifestações socializadas ou isoladas, prestam-se à inovação e à implantação de atividades de contato com a literatura, por vezes, compartilhadas com outras artes. Nos diversos locais disponíveis na cidade para as ações de contato com o ler por prazer, constituem formas diferentes das convencionais padronizadas e estabelecidas pela escola e pelas políticas públicas sem a participação da coletividade.
É um andar ainda lento quanto à execução, porém promissor. E, principalmente, é um propósito de grande alcance e a médio prazo, mas que já se pode reconhecer como exitoso.
É momento de constatação de que a formação leitora para nossas crianças e jovens pede urgência, e que é ato resultante de muitíssimo esforço, de muita disciplina, de intensa concentração na execução dos programas e projetos e no acompanhamento e avaliação de resultados. Que demanda tempo e exige constante apoio e vigilância da sociedade civil e das iniciativas privadas junto ao poder público. Somente assim se terá a possibilidade de traçar metas e diretrizes de real eficácia no sentido de realizar, a médio prazo, melhorias significativas no cenário atual.
Iniciativas da sociedade civil relacionadas à cultura da leitura poderão atingir um raio de maior extensão a partir de uma visão cosmopolita, onde prevalecerá a união dos anseios de muitos sobre os anseios de uma só instituição comprometida com o livro e a leitura. O circuito de ideias, de experiências e empreendimentos, entre estes vários grupos formadores de leitores, determinará um contingente com voz e força, necessárias para se constituir, ao longo de alguns anos, numa sociedade sólida e respeitada no uso do dever e do direito de ser ouvida e consultada pelos poderes públicos, sempre que for necessário avaliar, interferir, impedir ou implantar uma nova política para o livro e a leitura.
Este texto constitui uma parte da palestra que foi desenvolvida por mim na 16ª Jornada Literária de Passo Fundo, no Seminário “ Literatura Gaúcha: Cena Contemporânea”
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