Tradução exclusiva de uma entrevista com a escritora Isabel Allende publicada em janeiro de 2022 no The Guardian. A renomada autora fala sobre a tarefa não terminada de substituir o patriarcado, a troca de 24.000 cartas com sua mãe e o motivo de doar todos os seus livros. Autora da reportagem: Hephzibah Anderson.
Como tem sido a pandemia para você? Eu tenho conseguido fazer bastante coisa. Em dois anos, eu publiquei um livro de não-ficção feminista [Mulheres de Minha Alma], escrevi Violeta e depois escrevi outro romance sobre refugiados que está sendo traduzido e publicado em 2023 provavelmente. Eu tenho três coisas que todo escritor quer: silêncio, solidão e tempo. Mas, por conta do trabalho que a minha fundação faz com pessoas vulneráveis, tenho muita consciência de que há desespero e violência e pobreza. As primeiros a perderem seus empregos eram mulheres, migrantes.
Como você organiza seus livros? Eu não organizo. Eu doo.
Todos os livros? O único livro que eu mantive foi o primeiro presente que o meu padrasto me deu quando eu tinha 10 anos, "The Complete Works of Shakespeare". Eu li como uma história e tenho eles desde então.
Tem algum clássico que você se envergonha de não ter lido? Provavelmente Os Irmãos Karamazov. Fiquei entediada.
Que tipo de leitora você era quando criança? Eu venho de uma geração que não tinha televisão, o rádio era proibido pelo meu avô porque ele dizia que tinha ideias vulgares e nós nunca fomos ao cinema, então eu sempre fui uma ótima leitora. Na adolescência, quando eu me sentia muito sozinha e enraivecida, a forma de escapar de tudo, e de mim mesma, era lendo.
Algum tÃtulo em particular ficou na sua memória? Lembro claramente quando eu tinha em torno de 13 anos e nós estávamos vivendo no LÃbano. As meninas não vão a lugar nenhum – escola e casa, e era isso. Só para você ter uma ideia, eu fiquei sabendo do Elvis Presley quando ele já estava gordo, então eu pulei todo aquele rockÂ’nÂ’roll e tudo o mais. Mas meu padrasto tinha um armário que ele mantinha trancado porque lá ele tinha uÃsque, chocolate e Playboy, eu acho. Meus irmãos e eu abrÃamos ele; meus irmãos comiam montes de chocolates e eu ia direto para os quatro volumes de Mil e Uma Noites, que ficava lá porque era supostamente erótico. Era erótico, mas eu não entendia porque era tudo metáfora e eu não sabia o básico. Mas eu gostava tanto daquela leitura proibida no armário - um dia eu terei que escrever sobre isso.
***
Tradução feita com exclusividade por Caroline Rodrigues. Se você tem interesse em traduzir seus textos, confira o trabalho da autora em www.carolinerodrigues.com.br
Os comentários são publicados no portal da forma como foram enviados em respeito
ao usuário, não responsabilizando-se o AG ou o autor pelo teor dos comentários
nem pela sua correção linguística.
Os cursos online da Metamorfose Cursos aliam a flexibilidade de um curso online, que você faz no seu tempo, onde e quando puder, com a presença ativa do professor.