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Reflexão

A Feira não é do Livro
Caroline Rodrigues

Quem gosta de livros sabe o que significa ouvir a expressão “Feira do Livro”. Em mim, tem sempre dois efeitos: o apogeu, em que estou mergulhada num mar de páginas, capas duras, impressões em alto relevo, nomes de escritores e escritoras e títulos de livros que estão naquela interminável lista; e a depressão, quando penso na grana e na interminável lista.

De qualquer forma, o amante de livros, seja por achar linda uma estante colorindo a sala, seja por gostar mesmo do efeito que as palavras causam, adora uma feira cheia de livros. Eu sempre achei a coisa mais linda do mundo a tal da Feira do Livro de Porto Alegre. Assistia pela televisão as notícias sobre a Feira, quando criança, mas nunca visitava. Fui, pela primeira vez, já adolescente, com a escola (ainda bem que ela ainda tinha partido). Só que era para mim um amontoado de estandes e um amontoado de pessoas. Eu não sou muito fã de multidão, menos ainda, se acotovelando. Foi uma experiência legal, mas não deixou lembranças muito profundas.

Depois de adulta, passei a dedicar pelo menos um dia para visitar a Feira, geralmente um domingo, num compromisso tácito comigo mesma. Eu não sentia que a feira estivesse cumprindo seu papel naquele meu imaginário mágico de apogeu. Apenas achava inadmissível que uma estudante de Letras não fosse à Feira, mesmo que somente por um dia. E me decepcionava o fato de ver sempre os mesmos livros destacados nas bancas, como se eu estivesse visitando uma grande livraria comercial ao ar livre. Quando eu queria garimpar os saldos, me sentia sufocada. Não gosto de olhar livros com pressa. Para mim, os livros são o oposto do afã.

O ritual de bater cartão na feira continuou por muitos anos, inclusive depois de ter meu filho. Lembro que levamos ele no carrinho, com um ano de idade e foi o dia em que decidi abandonar a feira. A área infantil é para iniciados. É para os fortes. E, na época, eu não me sentia nem uma coisa, nem outra.

Passei cinco anos sem ir à Feira do Livro de Porto Alegre. Então, ano passado, me vi sozinha em um domingo ensolarado de novembro, sem nenhum compromisso marcado e as redes sociais me avisando que ela estava lá. Por algum motivo, eu ignorara, por anos, todo um outro lado da feira: a de bate-papos, palestras e cursos. Acessei a programação da feira online e descobri que havia muitas possibilidades.

Naquele dia, assisti ao escritor nigeriano Wole Soyinka, primeiro africano a receber o Prêmio Nobel de Literatura, e me senti transbordar com a sua simplicidade e sabedoria. Conheci uma mulher que participava de um projeto de escritoras e que produz, à mão, seus próprios livros. Senti o sol me aquecer ao mesmo tempo em que a brisa esfriava. Comprei livros. Assisti a um escritor português, chamado José Luis Peixoto. A imagem do homem com tatuagens e piercings contrastava com o seu lirismo magnífico. Caminhei encantada até a fila de autógrafos. Recebi quatro beijos portugueses. Senti que podia chorar enquanto caminhava para a estação de trem. Estava tomada pela Feira. Eu, afinal, descobri o que era o apogeu: a Feira não é do livro; a Feira é minha.

09/11/2018

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  Caroline Rodrigues

Caroline Rodrigues é tradutora e escritora. Nasceu em São Sebastião do Caí/RS, em 1977, e atualmente mora em São Leopoldo/RS. Formada em Letras, Mestra em Linguística Aplicada e Pós-graduada em Tradução. Egressa do Curso de Formação de Escritores da Metamorfose, tem contos publicados em antologias da editora, publica textos em seu blog, na Revista Parêntese e no blog da Escritor Brasileiro. É autora do livro de contos Sempre tem uma cachoeira, pela Editora Metamorfose. Em 2022, participa da Oficina de Criação Literária da PUCRS.

caroline.letras@gmail.com


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