Escrita
Hoje vou escrever
Caroline Rodrigues
Acordei hoje com a determinação de que escreveria. Digo determinação porque vontade é diferente; a última, eu sinto todos os dias. Já aquela, aparece quando bem entende. Por isso, aprendi que é preciso aproveitá-la quando resolve dar o ar da graça. Apesar de rimarem, a determinação nem sempre vem com a inspiração e, quando esse é o caso, há que se embrenhar na folha em branco.
Comecei o dia sabendo que escreveria, então elaborei, neste domingo, uma porção de ideias elegÃveis para o futuro texto. A primeira delas formulei enquanto colocava a roupa suja na máquina de lavar. A constante chuva e umidade dos últimos dias deu uma trégua, para a alegria de muitos. Podia escrever sobre o impacto de um dia de sol depois de muitos de chuva, mas achei tão mundano, tão bobo. Eu estava determinada, algo incrÃvel surgiria.
Depois de ficar algum tempo navegando na internet sem mais nenhuma ideia maravilhosa, saà para buscar almoço. Foi quando tive o segundo lampejo para minha escrita. Dirigindo pela cidade, passei por um bar onde diversas pessoas assistiam a um jogo da Copa do Mundo. Nosso paÃs em meio a tantas crises polÃticas e essas pessoas aÃ, anestesiadas, hipnotizadas por uma tela. Esse seria o meu tema. Mas me dei conta de que isso já está mais do que batido e, pensando bem, seria muita hipocrisia minha porque eu adoro assistir a uma partida de futebol.
O dia ia passando e o raio da ideia fantástica insistia em me escapar. O fato é que eu não estava olhando direito, eu precisava prestar atenção aos sinais, era óbvio que havia algo ali, bem debaixo do meu nariz. Permaneci mais algum tempo sentada em frente ao computador depois do almoço e nada. Tirei a roupa da cerca, li um conto, lavei a louça do café da manhã e voltei para o computador.
Eu só conseguia pensar que eu não levo jeito para essa história de escritora. Uma pessoa com uma vida tão sem graça e tão mundana não tem nada a oferecer, nada a contar. E mesmo quando tem, não lhe sobra tempo em meio a tantas tarefas diárias. Dar conta da vida real já não é suficiente? As pessoas querem ler sobre fadas e mães de dragões, não mães de meninos de oito anos com contas para pagar que ficam sonhando em publicar histórias.
O dia chegou ao fim e eu não achei nenhuma ideia sensacional. Talvez eu deva desistir dessa ideia de escrever. Meu único receio é que essa tal de determinação volte.
01/07/2018
Comentários:
Adorei o texto kkkkkk. Fiquei esperando o assunto, mas o tema foi sensacional.
Márcia Telles , Porto Alegre 02/08/2018 - 08:18
Procuro anotar flashs que surgem, associação de ideias, insights, cenas, etc
Estou "me devendo " terminar um texto sobre as palavras deambular e caminhar. Estava no hospital e os anjos do atendimento entravam e perguntava " já deambulou hoje?". Entao fugi dessa palavra horrorosa e fui buscar os relatos de minha ultima viagem, onde caminhei muuuito por Salamanca, a Cidade Dourada. E ai a gente entende a diferença entre deambular e caminhar. Nao é técnica, é emocional!
Rosália Saraiva , Porto Alegre 31/07/2018 - 11:55
Também tenho esses apagões em virtude da rotina do dia a dia. Preciso de tempo, tranquilidade e silêncio para produzir e, como mãe que também trabalha fora, não encontro espaço para isso.
Mas independentemente de publicar, preciso escrever, me sinto tão bem! Sigamos em frente!
adriana , ssa / ba 31/07/2018 - 11:14
Eu sei bem o que é isso. A inspiração não respeita a logÃstica da dona de casa. Mas não podemos desistir, afinal já há muitos escritores homens. O que sempre me espanta pois a maioria dos concursos literários durante a vida acadêmica é vencido por alunas, que escrevem muito melhor do que os meninos. Vamos insistir!
Marlete Cardoso , Joinville 04/07/2018 - 20:00
KKKKK, ADOREI!!
E NÃO DESISTE!!
Viviane , Gramado-RS 03/07/2018 - 11:53
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Caroline Rodrigues
Caroline Rodrigues é tradutora e escritora. Nasceu em São Sebastião do CaÃ/RS, em 1977, e atualmente mora em São Leopoldo/RS. Formada em Letras, Mestra em LinguÃstica Aplicada e Pós-graduada em Tradução. Egressa do Curso de Formação de Escritores da Metamorfose, tem contos publicados em antologias da editora, publica textos em seu blog, na Revista Parêntese e no blog da Escritor Brasileiro. É autora do livro de contos Sempre tem uma cachoeira, pela Editora Metamorfose. Em 2022, participa da Oficina de Criação Literária da PUCRS.
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