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Literatura

Progresso – apenas uma frase apagada numa velha parede
José Antônio Silva

Ao observar antigas fotografias urbanas, não raramente nos deparamos com algum Restaurante Progresso, Sapataria Progresso, Açougue Progresso... Natural que assim fosse – e que assim seja – pois através de sua história o ser humano vem experimentando, consciente ou inconscientemente, o desejo de progredir, crescer, desenvolver seu negócio, melhorar de vida e de dinheiro. Me parece ainda que este espírito ficou especialmente atiçado a partir do desenvolvimentismo dos anos 50 do século passado, os famosos Anos JK, em que sob a inspiração da construção da nova capital brasileira, em pleno – e até então isolado - Planalto Central do país, uma febre de progresso e avanços em todas as áreas fez subir a autoestima nacional.

Ao mesmo tempo em que o governo impulsionava a implantação de fábricas de automóveis,em que a petróleo era nosso, em que Volta Redonda fornecia o aço para os grandes empreendimentos, afirmava-se também nosso futebol mágico e campeão mundial. A Bossa Nova magnetizava Nova York, o Cinema Novo ganhava a Palma de Ouro em Cannes e começava a consagrar a geração de Glauber Rocha, o teatro batia recordes de apresentações, questionamentos e inovações, os movimentos sociais avançavam no sonho de um país menos desigual, e assim em todas as áreas, em especial no espírito do povo brasileiro, em cada canto distante do país.

Não por acaso, surgiram papelarias, fundições, fruteiras Progresso. Mas também espalhavam-se, neste rastilho de esperança em novos tempos, as mercearias, aviários, padarias, oficinas e outros empreendimentos com o nome de Alvorada. Que replicava o mesmo sentido de Progresso, representando ambas as palavras a fé em dias melhores que começavam a raiar.

Limites concretos
Tudo, porém, termina encontrando seus limites, e havia poderosos setores que temiam tantas mudanças. Em 1964 teve início um período de repressão militar, que enquadrou todos os segmentos sociais, que a arte limitou, que a imprensa censurou e calou, que aos espíritos inquietos, rebeldes e inovadores cassou, perseguiu, prendeu ou exilou – além de coisas piores. Grande parte da sociedade brasileira, deve-se dizer, apoiou a ditadura em seus primeiros momentos. Aos poucos, os efeitos nocivos do arbítrio impuseram-se sobre suas possíveis virtudes.

Progresso? Bem, tirando alguns momentos em que as classes médias viveram o sonho do chamado “Milagre brasileiro”, com o decorrer do tempo já poucos colocavam uma placa sobre seu estabelecimento com o nome de Progresso ou Alvorada. De uma maneira ou de outra, na consciência da maior parte do povo brasileiro, outras palavras-conceitos foram ao longo dos anos ganhando espaço: Resistência, Transição, Abertura, Liberdade... Democracia! Estas, no entanto, não podiam ser pintadas sobre a fachada das lojinhas.


O resto é história. Quanto ao progresso, outros motivos – mais amplos, profundos e urgentes – fizeram com que o termo já não fosse tão atraente e unânime quanto em outros períodos. Caso é que a noção de progresso como um processo de crescimento (físico, econômico, empresarial, de consumo) sem barreiras, esbarrou nos limites muito concretos da própria natureza.

Vocábulo insustentável
Uma série crescente e interminável de desastres ambientais, secas prolongadas demais, chuvas em excesso, tufões onde isto não existia, buracos na camada de ozônio, aquecimento global, derretimento de calotas polares, rios e lagos poluídos, envenenados e semimortos, queima em excesso de combustíveis fósseis, lixo não degradável que lança um problema e uma incógnita para o futuro de todos, ilhas de dejetos a boiar nos oceanos - e muito, muito mais – obrigaram a um repensar.

O mundo inteiro vive hoje, aos trancos e barrancos (e haja barranco pra desabar em áreas de risco!), um processo de tomada de consciência de que nosso planeta e suas riquezas não são intermináveis. Engarrafamentos gigantescos nas grandes cidades são um desafio aos administradores e planejadores urbanos. As cidades menores que ainda não sofrem – muito - com estes problemas, não perdem por esperar.

Por tudo isso, outros vocábulos pedem passagem nos dias de transformação que vivemos. Preservação, Equilíbrio, Ecologia, Consumo Consciente, etc. As agendas políticas, sociais e econômicas hoje são obrigadas a incorporar a palavra Sustentável – mesmo que para muios administradores, políticos e empresários, esta seja, ainda, apenas mais uma expressão vazia ou uma forma de oportunismo.

Claro que continuam existindo, Brasil afora, sólidas empresas batizadas de Progresso. Porém, tudo indica que o real progresso – nas relações humanas, sociais e ambientais – só continuará a ter sentido se levar em conta, para valer, uma visão mais ampla de nossas ações e de suas consequências. O resto é apenas uma palavra, com a pintura descascada, em alguma velha fotografia.


26/12/2010

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  José Antônio Silva

José Antônio Silva nasceu e vive em Porto Alegre.É jornalista e escritor. Cinco livros editados, de ficção e poesia ao ensaio. E participa de várias coletâneas em Porto Alegre e SP, onde morou por dez anos. Também escreve roteiros para TV e vídeo e tem poemas e letras musicadas. Mantém um blog onde desagua parte de sua produção, que inclui crônicas, poesia, contos, comentários e resenhas, humor. Os textos publicados no AG são do blog lavralivre.blogspot.com, e publicados mediante autorização do autor.

j.antoniossilva@gmail.com
lavralivre.blogspot.com/


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