O I Fórum Música Para Baixar (MPB) aconteceu no final de junho, em Porto Alegre. O Encontro sediado na PUC, dentro do 10º Fórum Internacional de Software Livre, debateu a situação do Direito Autoral em tempos de mídia digital. Conforme Everton Rodrigues, da Banda Bataclã FC e um dos organizadores do evento, o MPB foi o início de um processo permanente, onde foram abordamos assuntos relacionados à música, com o objetivo de envolver muitas pessoas que se comunicavam pela internet. “Esse fórum foi importante para confirmar que as pessoas envolvidas na música precisam mobilizar-se mais se quiserem melhorar suas condições de trabalho. É preciso muito esforço para construir um carreira musical e que não seja `algo` onde a pessoas da música estejam submetidas às regras das gravadoras e editoras”, afirma o músico.
Entre os debatedores estavam o músico e compositor Leoni, o representante do Ministério da Cultura, José Murilo e o rapper e poeta brasiliense Gog.
Apesar de sediado no Estado, o evento teve pouca participação de artistas gaúchos. “O Fórum Permanente da Música do RS possui pouca participação e isso a nosso ver é por uma cultura de exaltação dos músicos”, reflete Everton. Segundo ele, os músicos precisam de alguém que os assessore e muitos ainda tem o sonho de conseguir um contrato milionário. “Dependem de alguém para conseguir os shows, para carregar suas malas, seus equipamentos, para fazer suas agendas, e tudo mais. Além disso, a maioria que vive da música sonha com um dia fazer um contrato que o deixará rico e com condições de gastar muito dinheiro”, afirma o músico.
Porém, se tornar um artista de sucesso, ficar rico e famoso não é a realidade para a maioria dos que vivem da música, ou mesmo de outras artes. Essa opinião também é compartilhada pelo músico Leoni. O autor de sucessos como Fixação e Exagerado, é um grande usuário de novas ferramentas da web, e durante o Fórum relatava via o microblog Twitter cada momento do debate. Com uma carreira consolidada, o músico acredita que mais do que nunca o artista precisa por a mão na massa e fazer seu próprio marketing se quiser manter-se no mercado. “O artista de hoje tem toda a liberdade do mundo, mas muito trabalho. Pode gravar o que quiser, lançar o que quiser, mas para chegar no seu público e manter aquele público tem que escrever, tem que se comunicar com as pessoas. Não é só dar declarações, tem que interagir. E isso dá um bocado de trabalho. Tem dias que não pego no violão, mas passei horas no computador”, conta o compositor ao AG.
Apoio do MINC às mudanças na lei
O processo criativo também foi abordado pelo rapper Gog que sustenta a ideia de que a criação não é um ato isolado, pois o material que o artista utiliza nesse ato é colhido através do contato com o mundo, das trocas com pessoas, situações, até chegar à redação final de uma letra de música, por exemplo. Tal fato também deve ser discutido a partir do segundo semestre pelo próprio Ministério da Cultura juntamente com a questão do Direito Autoral.
Conforme José Murilo, músico e Gerente de Informações Estratégicas e Cultura Digital do MINC, a Lei do Direito Autoral foi feita em um cenário diferente do atual, há mais de 30 anos, quando a regulação era feita somente para o setor industrial. Hoje, qualquer arquivo baixado e repassado na internet pode infringir a lei. Segundo Murilo, o Fórum da Cultura Digital, que teve o site (www.culturadigital.br) lançado durante o evento, deve debater todos os pontos que precisam ser modificados, além de uma proposta do governo para reformular o marco regulatório do uso da internet.
O MPB é contra o projeto de lei de cybercrimes que prevê o controle da internet e entende que é outra imposição que irá impactar negativamente na classe dos músicos, devendo encaminhar ao MINC propostas para a mudança da Lei Autoral. Para o representante do MINC, a era digital muda comportamentos e exige políticas públicas integradas. Em novembro, deve ser lançado um seminário que terá na pauta temas como memória digital, infovia digital, que trata do acesso e da conectividade à internet, e comunicação e convergência de mídias.
ECAD, pra que te quero?
Quando o tema foi direito autoral brotaram relatos no MPB. Leoni deu o exemplo da americana que foi processada em 80 mil dólares por ter compartilhado músicas de um artista. Conforme relato do músico, mais de 10 milhões de dólares já foram arrecadados de internautas sem as gravadoras precisarem sequer ir ao tribunal. Ou seja, os fãs são os maiores penalizados. Para o compositor, todo o controle é inútil e é preciso mudar a postura. “Sou bem sucedido e recebo bastante dinheiro pelo ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), só que isso vai acabar. Temos que pensar outra forma. É difícil mudar a postura. Antes, nos anos 60, 70 era só cantar música e encher a cara”, conclui o cantor.
O ECAD cobra direitos autorais de obras que não são de domínio público e repassa às associações o que é arrecadado de quem utiliza músicas em suas atividades. O autor recebe 76% dessa arrecadação. Se alguém não paga a respectiva retribuição autoral, os titulares pelas mesmas não recebem e o usuário não pagante fica sujeito à lavratura de um "Termo de Verificação", que pode acarretar a interdição ou a suspensão de um evento, além de penalizar o usuário civil e criminalmente.
Para Everton Rodrigues, o ECAD e as associações dos músicos apenas dizem que representam os interesses dos autores; porém, os artistas nunca são informados sobre atividades promovidas para formação de músicos sobre a legislação autoral ou sobre os contratos injustos impostos por gravadoras e editoras. Corroborando o fato, Fernando Anitelli, músico e compositor, responsável pela criação do projeto Teatro Mágico, contou que já foi multado pelo ECAD por não ter avisado que ia fazer um show e cantar suas próprias músicas. A mesma situação foi relatada por outros participantes do evento. Renata Bettin, advogada do ECAD, afirma que a entidade age como mandatária das associações, e somente cumpre a lei atual.
Micaela Couto, assessora jurídica da Associação Brasileira de Editoras Reunidas, que congrega editoras de música como Warner, Sony e Universal, afirma que os órgãos apenas defendem o direito do artista de não liberar suas obras na internet. “O que tem que ficar claro é que nós lutamos pelo interesse dos nossos autores. Realmente muitos deles não querem, eles querem ter o controle do que é liberado ou não, até porque a própria lei determina que o artista é que tem fazer, a exploração da obra é de exclusividade do autor. O que a gente defende é que ele possa autorizar ou não”, resume.
MPBs regionais
Mesmo com pouca participação dos gaúchos, a organização não pretende desistir e deve continuar a mobilizar as pessoas que vivem da música e também seus usuários. Everton Rodrigues alerta que quem estiver envolvido irá construir história e estará em mais evidência. A dica do músico é que quem não tiver consciência para mudar sua realidade, terá de viver nas condições que vive hoje. “Ou terão de depender e esperar que alguns que se interessam pelos debates possam conseguir mudar essa realidade”, conclui.
Estão em negociação debates sobre MPB na Feira da Música de Fortaleza, que acontecerá de 19 a 22 de agosto e debates na feira da música que acontecerá no final do ano no RS, além da regionalização dos debates do movimento para mobilizar a classe. A formatação de uma proposta de formação para músicos também está na pauta do MPB e está sendo elaborada uma proposta para um seminário nacional de formação sobre direito autoral com participação inclusive à distância.
Eu twitto, tu twittas e Leoni twitta mais do que todos nós
“Nós não podemos mais ser crianças mimadas, nós temos que cuidar do negócio de fato”.
O músico e compositor Leoni, autor de sucessos como Fixação e Exagerado, participou do I MPB e concedeu uma entrevista exclusiva para o AG onde conta como utiliza as novas ferramentas para manter o ritmo de shows e divulgar seu trabalho. Ligado às novas mídias, o artista relata em seu site e no microblog Twitter cada atividade em que participa, e promove seu trabalho e o de outros artistas. E quem seguir o músico no twitter.com/Leoni_a_jato pode confirmar: Leoni realmente twitta mais do que todos nós!
Sobre a questão da Internet, todo mundo baixando músicas, qual a via para o acesso ser feito de forma a não prejudicar o artista? Se é que tem como...
Não, não tem como, esquece. Não há possibilidade de controle na internet. O digitalizado vai vazar, é que nem água, vai vazar. Então esquece. Tem que inventar um sistema de compensação, outro modelos de negócios mesmo que não seja remunerado como o arquivo digital da música. Acho que já existem idéias a respeito, serviços que permitem ter acesso à todas as músicas, com indicação, com listas você paga por acesso. Micropagamentos, e não pelo conteúdo em si. Por outro lado, divulgar na internet já provou que ajuda a vender, tem artistas que dão e vendem simultaneamente, quanto mais dão mais vendem, quanto menos dão menos vendem, então é outra lógica que precisamos aprender. Agora controle esquece, isso não faz sentido, pois tem sempre um hacker mais esperto que vai conseguir. Na França queriam por IP pra não baixar, troca o ip do computador, tem formas e mais formas de se burlar, então, esquece o computador e arranja formas de compensar o artista.
O show vai ser cada vez mais a saída?
O show sempre foi a saída pra venda. A venda de discos foi uma coisa muito importante dos anos 80 aos anos 2000, daí, antes e depois é outra realidade. O mais importante sempre foi o show. Eu tenho um show novo que é baseado no meu repertório novo e só está disponível no meu site de graça. Eu venho dando uma música inédita por mês no meu site, basta se cadastrar (leoni.com.br), manda um mail avisando. Vai lá e baixa. Vem com foto, ficha técnica, cifras, texto e tudo que você não tem quando baixa um arquivo digital. Depois quando eu tiver com as 12 músicas lançadas eu vou fazer um disco pra vender, pra quem já tem a música, como uma lembrança daquele trabalho, autografado, mandar pelo correio e acabou.
Então essa saída seria algo mais pessoal?
Acho que sim, a gente já não vende mais produto, a gente vende relacionamento, a gente vende serviços. Acho que música deixou de ser produto pra ser serviço.
Tu utiliza muita dessas novas mídias?
Estou twittando aqui o tempo todo, mandei fotos daqui, falava o que as pessoas estavam comentando, aí vinham comentários das pessoas, eu respondia, de repente você não precisa estar presente no local para ter noção do que tava acontecendo. Quis fazer meio que um relatório do que tava rolando aqui. E já tinha escrito um post no meu site sobre o fórum e mandavam as pessoas pra lá e já começavam a twittar. Estou bem engajado.
Com relação às cobranças do ECAD, tem como mudar isso?
A gente tem que ver qual a função? Direito autoral foi criado pra exercer uma função social de estimular as pessoas a comporem enquanto um incentivo financeiro. Esse monopólio financeiro não pode ser maior que essa função social. No caso da escola pública, que você está levando cultura pra pessoas que não tem capacidade de pagar, acho que a função foi esquecida, com a questão do direito autoral. Bloqueia as pessoas de acesso à cultura; inclusive a maioria dessas canções, desses autores que são executados, estão mortos, então é para defender direitos econômicos de sucessores dos criadores, que não vão criar mais nenhuma obra. Então não tem que ser protegidos, não tem que ser incentivados porque não vão mais criar nada, acho que tem que ser uma questão de bom senso, mas tem que ser flexibilizada. Eu não culpo o ECAD porque eles seguem a lei. O que está errado é a lei.
E já há algum tipo de movimento para mudar essa lei?
O Ministério vai propor mudanças na lei autoral. Iniciativa do Zé Murilo que é musico e blogueiro e entende o que está acontecendo no mundo em termos de direito autoral. Acho que quem vai ser contra e dar muito trabalho somos nós mesmos, os autores, principalmente os mais velhos, que não querem perder direitos, embora não se revertam mais em dinheiro. Eles vão brigar, primeiro a gente vai ter que ter uma discussão interna da classe se ela vai estar dividida, rachada, até pra passar pro público, por que o publico não entende não sabe o que está acontecendo. Informação e discussão vão ser muito necessárias antes de mudar a lei.
E os autores recebem tudo o que o ECAD arrecada?
Eu recebo muito bem, não tenho reclamação não. É mais difícil você arrecadar do que distribuir, a distribuição do ECAD acho bastante correta. Acho defasada em diversos pontos. Por que é que as rádios não dizem o que tocam? Simplesmente te que fazer arrecadação por amostragem? Hoje em dia é tudo digital, tocou lá o ECAD sabe, poderia ser assim, mas não é, as rádios não se adaptaram a isso por que não querem. Hoje em dia não tem mais nem como tocar cd em radio, é tudo por computador e computador está na rede. Então era muito tranquilo saber exatamente o que foi executado, mas isso a gente pode mudar com a lei autoral, adaptar isso.
Pretende participar das próximas atividades do Fórum?
Pretendo vir pra esse fórum de cultura digital no Ministério da Cultura eu quero participar. Até porque tem pouca gente informada e eu me informo muito. Tenho até um blog sobre isso, sobre música digital que é www.musicaliquida.blogspot.com e só falo sobre isso. Eu venho lendo tudo, fico no twitter mais buscando informação sobre o que está acontecendo nos outros países, quais são os modelos melhor que tão aparecendo eu quero participar até pra informar as pessoas do que eu sei.
Busco informação do que esta acontecendo.
O que o artista de hoje pode fazer?
O artista de hoje tem toda a liberdade do mundo, mas muito trabalho. Pode gravar o que quiser, lançar o que quiser, mas para chegar no seu público e manter aquele público tem que escrever, tem que se comunicar com as pessoas. Não é só dar declarações, tem que interagir. E isso dá um bocado de trabalho. Tem dias que não pego no violão, mas passei horas no computador.
E isso é bom pro músico??
Olha, é claro que seria muito mais confortável só ficar tocando violão e compondo, mas é impossível viver assim. Nós também não somos seres especiais que não podemos nos imiscuir nos nossos negócios, não podemos cuidar da nossa vida prática, a gente é gente como todo mundo. Existia um certo mito em torno do artista “não, ele é artista” Agora com política também “Não pode tratar o Sarney assim porque ele não é gente comum”. Músico também não era gente comum. Nós somos gente comum, precisamos tratar da nossa vida, cuidar; se a gente não fizer isso ninguém vai fazer isso por nós, até porque não tem tanto dinheiro circulando, não tem tanta gente empregada, nós não podemos mais ser crianças mimadas, nós temos que cuidar do negócio de fato.
Está pronta a primeira versão do manifesto Música Para Baixar.
Quem cria, produz ou usa música pode assinar nosso manifesto. Assine e divulgue o manifesto Música Para Baixar (MPB).
Deixe seus comentários no blog. http://musicaparabaixar.org.br/?p=203
Everton Rodrigues, POA-RS 10/07/2009 - 17:18
Oi Isabel!
Muito bem redigida a matéria e bem esclarecedora, consegui assim tirar algumas duvidas....
Forte abraço da amiga Lecy Cardoso-produtora cultural
lecy cardoso, Guaiba 10/07/2009 - 11:21
Adorei a matéria, muito esclarecedora. Acredito mesmo que temos que passar muita informação para que o público maior seja nutrido das "verdades" desse mercado artÃstico e cultural. Creio também que o homem é movido, desde sua existência, por hábitos culturais criados através de suas experiências durante sua jornada nesse planeta. Muita coisa boa foi criada! Mas muitaa coisa egoista, ruim e estúpida foram criadas para o "bem" de poucos e a "infelicidade" de muitos...hábitos culturais podem ser mudados com muita educação e informação! Só temem essas mudanças quem quer manter as "rédeas" curtas e apertadas de um sistema capitalista voraz, estúpido e nada generoso...Viva o MPB! Viva o novo mundo!
Abraços a todos, Cabeto Rocker-Musico/Produtor Cultural
Cabeto Rocker, Campinas-SP/Brasília-DF 09/07/2009 - 08:30
Olá Isabel!
Muito bacana a matéria. Gostei da fidelidade para com nossas opiniões. Parabéns.
Um abraço.
Everton Rodrigues, Porto Alegre-RS 09/07/2009 - 00:14
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