Vivemos a época da pesquisa de opinião. Na política, os
institutos medem a aprovação ou reprovação dos governos,
a popularidade, as tendências eleitorais. No marketing, pesquisam o que
os consumidores querem. Nas transmissões dos jogos, nos programas esportivos,
sempre tem uma pergunta para saber o que as pessoas acham. Tudo isso parte de
um pressuposto que coloca uma certa autonomia da opinião pessoal. É
uma visão que parece supor que todos já saibam de antemão
tudo. Que todos têm em si os elementos para avaliar e dizer o que acham.
Sem a mínima humildade. Pouca gente reconhece a sua ignorância
diante de alguma coisa. Afinal, se perguntaram para mim, pensam, estão
supondo que eu saiba ou tenha algo importante a dizer.
Vou falar então. Não vou dar o vexame de dizer: meu, pergunta
pra quem sabe mais do que eu, pra quem é especialista, estudioso, sei
lá. Na contramão desse narcisismo coletivo contemporâneo,
é sempre bom ler e reler pessoas que sabem muito mais do que a gente.
Em vez de falar, ouvir quem merece ser escutado. Pessoas que desfazem o que
pensávamos, que mostram que estávamos errados na nossa avaliação,
que nos revelam mais do que enxergávamos.
Essa agradável e feliz sensação de ignorância,
eu estou tendo ao ler Coisas e anjos de Rilke, livro do poeta, tradutor e ensaísta
Augusto de Campos. Todo brasileiro deveria uma vez por dia agradecer aos céus
por existir entre nós Augusto. Ele vem durante cinqüenta anos ensinando
a ler autores da maior importância. Traduz poesia, coisa que poucos conseguem
fazer bem. Mostra a criatividade da linguagem de poetas das mais diversas línguas
e ainda “transcria”, como ele chama a recriação dos
poemas estrangeiros na nossa língua. Como se não bastasse, pinça,
aponta, acrescenta a todo momento algum viés novo de observação.
Foi assim também no livro sobre Rilke. Sempre tive uma certa barreira
para ler esse grande poeta da língua alemã. O tom mais metafísico
e até místico que acabou chegando como sendo todo o Rilke não
me atraía muito. Mas Augusto vai buscar uma série de poemas que
chamou de “poemas-coisa” do autor. Neles, há uma objetividade,
um eu que se ausenta para falar do que está do lado de fora, que me trouxeram
um poeta novo no velho Rilke. Como esse terrível e belo O Rei Leproso:
“A lepra se instalou em sua fronte,/sob a coroa, e toldou o horizonte,/e
ele, como que o rei de todo o horror/que atingiu os demais. Estes, sem cor/contemplam
fixamente o dom sombrio./O rei, como num espartilho, esguio,/espera que alguém
o trespasse,/mas ninguém o faria;/como se mais ileso ele ficasse/com
o acréscimo da honraria”.
E mais tantas outras poesias que eu teria perdido se achasse que já
sabia o que era Rilke. Se não me dispusesse a conhecer o que Augusto
de Campos viu em Rilke que eu até então não tinha visto.
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