Durante quase 50 anos a Feira do Livro de Porto Alegre foi a forma mais eficiente de transformar o livro em manchete de jornal. Hoje já há outros eventos midiáticos como lançamentos de livros, a enorme Jornada de Passo Fundo, prêmios literários como o Açorianos, mas talvez nunca como nesse começo de 2008 a literatura fez tanto esforço para ocupar os espaços dos rádios, jornais e TVs.
Estou me referindo a dois eventos que no final de março dividiram a atenção com a tradicional Semana de Porto Alegre: o FESTIPOA – Festival Literário de Porto Alegre, e o Porto Alegre Dá Poesia, ambos realizados por artistas e para os artistas.
O Porto Alegre Dá Poesia é organizado por um grupo de poetas locais que ano passado já havia feito algum barulho com o Porto Poesia. Evento integrado à programação oficial da Semana de Porto Alegre, procura abrir espaço para as produções gaúchas e popularizar a poesia a partir de palestras, debates, saraus poéticos e leituras de poemas, sempre gratuitos.
Já o FESTIPOA mostra-se mais ousado ao repetir o modelo da muito bem-sucedida Festa Literária Internacional de Parati (FLIP), que desde 2003 reúne importantes autores nacionais e internacionais na cidade carioca. Sem contar com os patrocÃnios da versão carioca e nem com apoio institucional de governo ou prefeitura, a Festa reuniu mais de cinqüenta artistas em lançamentos, sessões de autógrafo, bate-papos, exposição, shows, performances, artistas em sua maioria gaúchos, mas também com alguns convidados de vulto nacional, como Marcelino Freire, pernambucano radicado em São Paulo e vencedor do Prêmio Jabuti por Contos Negreiros.
Marcelino Freire, um dos convidados da FESTIPOA
Fernando Ramos, organizador da FESTIPOA e editor do Jornal Vaia, acredita que eventos como esses proporcionam encontros e despertam curiosidade acerca de novos nomes, ajudando, de certa forma, a formar leitores e alavancar a carreira de escritores locais. Já Sidnei Schneider, um dos organizadores do Porto Alegre Dá Poesia, acredita que não há evento ou mÃdia que façam um poeta, ainda que alguém possa acreditar nisso: “o Porto Poesia atrai um público interessado e pouco assistido em termos de eventos de poesia, forma um leitor que não é um leitor qualquer, mas com visão crÃtica da realidade e da literatura, e com uma perspectiva humanizada. Quanto aos autores, poeta não tem alavanca nem carreira, ainda que possa haver algum que acredite nisso: tem é obra”.
Sobre a coincidência de datas, Schneider é enfático: “eu faço parte da organização de um e fui convidado para participar do outro, e acredito que não passou pela cabeça de ninguém alterar as datas, por acaso coincidentes em alguns dias. Nosso empenho se orienta para dar vasão a esse gênero tão pouco valorizado pelos meios de comunicação e pelo poder público que é a poesia, inversamente proporcional ao seu prestÃgio. É um serviço de utilidade pública, desacostumar da inércia os que achavam que Porto Alegre não comportava esse tipo de coisa, e mostrar que a poesia tem o seu espaço”.
Os escritores, em geral, aplaudem esse tipo de evento. Marô Barbieri, ex-presidente da Associação Gaúcha de Escritores, acredita que essa efervescência de festas literárias no começo de 2008 é resultado de polÃticas como a Feira do Livro e o Adote um Escritor, do interesse das pessoas por literatura, haja vista o número de oficinas que a capital comporta (JU de outubro de 2007 ???) e, ainda, porque “cansados de reclamar resolvemos todos abandonar a opacidade e a omissão e mostrar que, juntos, podemos promover a arte da palavra sem esperar por interesses que não existem e por auxÃlios que quase nunca chegam”.
Para se ter uma noção de como esse tipo de iniciativa tem efeito capilar e espalha-se por cidades, bairros e escolas, Cachoeirinha, também na última quinzena de Março, promoveu sua Semana da Poesia. Em 2008, o evento realizou saraus em escolas, bares e associações de bairro. Para Ana Cecato, organizadora da Semana, “num evento como esses muitos talentos são descobertos, não apenas na área da literatura, tendo em vista que a poesia está muito próxima a outras artes”.
Evidentemente esse tipo de evento, sozinho, não fará as pessoas lerem mais nem melhor, mas têm o mérito de aproximar a literatura do público de massa. Num tempo de tantas mÃdias e tantas ofertas midiáticas, torna-se fundamental para a literatura enquanto instituição reinventar-se e ocupar espaços, o que transforma escritores em celebridades e, contrário senso, pode acabar premiando autores simpáticos e bem-relacionados em detrimentos de bons textos. Mas tudo parte da lógica do mercado livre, em que não basta se expressar, é preciso se renovar e, acima de tudo, se mostrar.
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