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Reflexão

Você tem fome de quê?
Marta Leiria

Hoje quero falar um pouco sobre duas fomes recentes. Uma delas, a de mergulhar fundo na obra clariceana, influenciada por Cíntia Moscovich e Cátia Simon. A outra fome é a de castanhas, abacate, sementes e outras dádivas da natureza que pouco faziam parte do meu repertório alimentar e descobri graças à minha amiga Verbena, lá no Rio. Falo da nutricionista funcional Carol Borghesi — está no Instagram, Youtube, Facebook.

Após devorar os sete livros da Cíntia durante a “Oficina de Subtexto” — embora a leitura não fizesse parte do currículo —, e de saber sobre o quanto Clarice a influenciou como escritora, surgiu, feliz coincidência, o convite do André Roca (GOG ideias) para o curso da Cátia intitulado “Leituras de Clarice Lispector”, profunda conhecedora da vida e obra da escritora nascida na Ucrânia e naturalizada brasileira. Em 2020, comemorou-se o centenário do nascimento de Clarice. Morreu aos 57 anos, antes mesmo de chegar na juventude da velhice. Lurdinha, protagonista de O veredito, texto do meu livro solo “A inveja nossa de cada dia e outras reflexões crônicas”, lia colunas de jornal de Tereza Quadros, Helen Palmer e Ilka Soares sem saber que eram pseudônimos de Clarice Lispector. As colunas contêm conselhos de bem viver, sedução, beleza e elegância escritos e publicados em jornais e revistas, de modo intermitente, desde a década de 1940 até dois meses antes de sua morte em 1977.

Clarice falava que não era escritora profissional, mas amadora, só escrevia quando queria, não por obrigação. Dizia-se uma tímida ousada. Além de figurar dentre os melhores escritores brasileiros (homens e mulheres), impressiona pela coragem em seus escritos e na vida. E também pela beleza e elegância. Fiquei sem fôlego ao ler crônicas, contos, entrevistas, colunas simplesmente geniais como Macacos, Tentação, Viagem a Petrópolis, A solução, Amor, A menor mulher do mundo, Preciosidade, Feliz Aniversário, Felicidade clandestina, Perdoando Deus, Restos de carnaval. Imperdíveis as entrevistas feitas por Clarice de personalidades como Lygia Fagundes Teles, Rubem Braga, Nelson Rodrigues, Hélio Pellegrino.

Não sei você, caro leitor, mas eu sou do tipo que adora rir sozinha. As lições de como ser uma boa esposa, de elegância, de boas maneiras, até do que comer e da necessidade de se exercitar são o melhor do bom humor. Percebe-se a fina ironia da genial escritora em “Só para Mulheres” e no “Correio Feminino.” Por exemplo, quando ela fala das manias que enfeiam a mulher, como a de estar sempre comendo alguma coisa, como chocolate, um caramelo, um sorvete, como se vivesse eternamente com fome. Diz que não saber parar de se enfeitar é como não saber parar de comer. Na coluna intitulada Para descansar, ande, aconselha as mulheres a praticar esporte para combater a deformação do corpo resultante de trabalhar o dia inteiro sentada ou em pé, ou com as costas encurvadas. Em Chega de cinto adverte que é preciso ter muito cuidado com certas modas, que se alastram como epidemias, atacando gordas e magras, altas e baixas, velhas e moças. Decreta: “Está na hora de se fazer uma vacinação em massa contra os cintos.” Pega pesado nos quilos em excesso em A necessidade de dieta: “Você sobe à balança e verifica que ela não é muito camarada. Acaba de apontar 75 quilos e você não tem nenhum pedaço de chumbo no bolso. Que fazer? O desejo de iniciar uma dieta é grande”.

Por falar em dieta, em meu livro solo, na crônica O corpo de cada um abordo minha peregrinação de quase quatro décadas por médicos e nutricionistas em busca do peso ideal. Já com a Carol Borghesi, especialista em emagrecimento feminino, estou aprendendo sobre algo que nunca tinha me interessado genuinamente: a nutrição funcional. Ah, soube agora que haverá evento gratuito, com aulas e tudo, em novembro, é só se inscrever! Estou adotando a prática do Hara Hachi Bu, comer até ficar 80% satisfeita, seguida pelos habitantes da Ilha de Okinawa, no Japão, onde reside o maior número de centenários do mundo. São magros, é claro. A longevidade impressionante tem a ver com a alimentação: comer de forma consciente, ficar longe de eletrônicos no momento das refeições, não colocar a comida na mesa, comer devagar, não pular legumes e saladas nas refeições principais, usar prato pequeno, reconfigurar a memória muscular do estômago e retirar-se da mesa ao sentir o primeiro sinal de saciedade. E o melhor: tudo explicado para leigos, visando ao conhecimento para se libertar de vez de cardápios fixos. Ensina os fundamentos da escolha, do preparo, do consumo, envolvendo a combinação dos alimentos no prato, e da funcionalidade dos alimentos. Aprende-se a não exagerar em determinados grupos alimentares, e a fazer eventuais compensações. Conhecimento que serve para qualquer situação da vida, seja no dia a dia em casa, seja em férias, festas, viagens.

Depois de conhecer um pouco mais a obra de Clarice, e de iniciar o aprendizado sobre nutrição funcional com a Carol, sinto que dei uma guinada importante em meus saberes, dois novos mundos que até conversam entre si. Fico impressionada e grata com o quanto tenho a aprender e estudar, espero que tenha tempo nesta vida – haverá outras? Finalizo com uma terceira fome, já longa demais, da qual nos fala Clarice: “Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença”. Pois tenho a fome de comer a presença de algumas pessoas queridas. Tenho fome de deixar cair a máscara e de poder abraçar e conversar longamente sobre a vida, as tristezas, as alegrias, os aprendizados com gente de que tenho muita, muita saudade de conviver.

E você? Você tem fome de quê?

15/10/2021

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  Marta Leiria

Marta Leiria é escritora e Procuradora de Justiça aposentada. Graduada em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS (1985). Ingressou na carreira do Ministério Público do RS no ano de 1988, aposentando-se em março 2019. Iniciou-se em 2012 na arte da crônica e do conto, participando de oficinas de escrita criativa e publicando artigos em Zero Hora e outros jornais. Lançou seu primeiro livro individual de crônicas e contos na 65ª Feira do Livro de Porto Alegre: A inveja nossa de cada dia e outras reflexões crônicas, Ed. Metamorfose, 2019. A obra foi finalista do Prêmio Minuano de Literatura 2020 na categoria Crônica e do Prêmio Apolinário Porto Alegre 2020, da Academia Rio-Grandense de Letras.

martalealpach@gmail.com


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