Gerald é diretor de teatro que a mídia elevou ao estado de gênio. Foi vaiado pelo público, faz um bom tempo. Daí ele baixou a calça e mostrou a bunda para a plateia.
O pedreiro trabalha com ferramentas: colher, pá, metro, balde. Marceneiro com furadeira, martelo, lixa. Advogado com códigos. Ator tem uma única ferramenta: o corpo. O dedo do pé, o nariz, os fi os de cabelo, o dedo mindinho, bunda. Para o ator, é tudo corpo. Se o texto recomenda o uso do pé, da voz ou dos seios, é o que fará. O toque corporal entre personagens e a nudez faz parte.
Os cursos de interpretação começam pela liberação do corpo: dançar, requebrar, acariciar. Vergonha, a atriz pode sentir fora do palco, aí trata-se da sua pessoa e do seu recato. No palco e na tela de cinema, é o personagem que toma por emprestado o corpo do intérprete. Daí o nome: intérprete. Um bom ator estuda o seu personagem em detalhes, físico e psíquico, transporta-se para ele, vive, come e pensa como ele. É ele. Por isto, mostrar a bunda no palco signifi ca nada em termos de moral. O que diferencia uma obra qualifi cada com todo mundo pelado da picaretagem onde surgem bundas e a gente não sabe bem a razão, é exatamente isso: por que o nu? Acrescentou, enriqueceu a história? Ou apenas chama público?
A polícia entrou na história, mostrar a bunda é crime. O diretor Gerald alega que “preocupar-se em gastar seu valioso tempo com a minha bunda é a prova da falência do sistema da justiça e da polícia do Rio de Janeiro”. Porque, na verdade, ele fez uma performance no palco ao mostrar o traseiro. Um gesto agressivo, sem dúvida, porque estava sendo agredido por esse público através das vaias. O texto pode tudo, a direção pode tudo, o público pode tudo, a crítica pode tudo. Até o limite do bom e do necessário, conceitos indefi nidos. O público, se não gosta, deixa de aplaudir, pode até retirar-se em meio ao espetáculo. Para que vaiar? Não sei por que a polícia entrou nessa roubada e instaurou inquérito.
Decerto para agradar aos moralistas que sequer foram ao teatro, mas ouviram falar e fi caram espantados que alguém tenha se mostrado. O que acontece no recinto da arte, lá deve permanecer. Outro corpo que sofreu, rejeitado como ferramenta, foi a bailarina russa Anastasia. Foi retirada do grupo do Balé Bolshoi por estar muito gorda. O chefe disse que estava difícil de levantá-la (na dança). Anastasia possui 1,70 de altura e pesa 49,50 quilos. Quem das caríssimas leitoras pesa 49 quilos? Mas não somos bailarinas! Tudo bem.
A ferramenta desgastou, ficou obsoleta e a atriz dançou. Não interessa a pessoa, mas sua única ferramenta de trabalho: o corpo. A preocupação não foi com o seu pé, seu nariz ou os seios: mas a massa de gordura debaixo da pele. Ela foi vaiada de outro modo. E nem por isso mostrou a bunda para seus críticos.
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