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Resenha

Estela Sem Deus
Silvia Generali da Costa

Jeferson Tenório nasceu no Rio de Janeiro, em 1977, e mudou-se para Porto Alegre ainda jovem. É graduado em Letras e mestre me Literatura pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, tendo sido o primeiro cotista negro formado nesta instituição. Atua como professor de língua e literatura em escolas públicas e privadas de Porto Alegre. Tenório é considerado uma referência na literatura afro-brasileira. Escritor negro em uma sociedade permeada pelo racismo estrutural, traz em suas obras o universo da discriminação, da desigualdade e da pobreza no Brasil, tendo como cenários principais as cidades de Porto Alegre e do Rio de Janeiro.

Seu primeiro romance, o Beijo na Parede, foi premiado como o Livro do Ano de 2013, pela Associação Gaúcha dos Escritores. Atualmente, prepara o lançamento de sua terceira obra, O avesso da pele, pela Companhia das Letras, que aborda a morte de um professor, confundido com um criminoso em uma abordagem policial.

O Globo descreve apropriadamente Estela sem Deus como “a experiência de uma adolescente em busca de sua identidade, nos altos e baixos de uma vida onde o mais certo é dar tudo errado”.

Estela não é uma figura rara no Brasil. Adolescente pobre, criada pela mãe, o pai desaparecido, o irmão filho de outro pai que a partir de certo momento também não pode mais ajudar a pequena família. Estela tenta compreender o seu entorno e a si mesma, enquanto luta com sua autoestima precária, com o ambiente violento e com a incerteza sobre o futuro. Sua mãe tenta representar o fio sobre o qual se equilibraria e esperança familiar porque, nas palavras de Estela, é a mãe a pessoa que a tristeza não impede de fazer as coisas. A avó, outro pilar feminino da família brasileira da periferia, encontra a morte antes de poder apoiar a neta em suas descobertas. A mãe, com uma doença que lhe ataca primeiramente as mãos, trabalha como empregada doméstica e ”continua fazendo o que deve, mesmo com lágrimas nos olhos”.

Na busca pela sua identidade e pela compreensão do sentido da vida, Estela se depara com alternativas fáceis, mas não se deixa seduzir por elas: a religião que normatiza os sentidos e os corpos; a submissão a um homem sob o pretexto de proteção; o abrigo em lares tão conturbados quanto o seu. Mas Estela sabe que as respostas não são simples. Quer ser filósofa e entender a vida que, tão precocemente, já problematiza.

Estela, assim como João, de O Beijo na Parede, é de uma humanidade dolorosa. Curiosa e inteligente, só deseja aquilo a que todas as crianças e adolescentes deveriam ter acesso: estudar, conhecer, questionar, se autodefinir, sem ter que preocupar-se com os conflitos e as mazelas do mundo adulto e hostil, sobretudo a pobres e negros.

Tenório, como escritor de uma sensibilidade admirável, consegue se colocar no lugar destes jovens sofridos com maestria. Em entrevista ao Nonada, um coletivo de jornalismo cultural e alternativo de Porto Alegre, o escritor comentou sobre sua escolha por personagens tão jovens: “... o pensamento infantil é muito poderoso, atinge as pessoas de maneira muito mais contundente do que um adulto falando. Elas são mais sinceras, são mais honestas. Também ainda estão protegidas de uma certa ingenuidade”.

O resultado é uma narrativa que flui, simples e ao mesmo tempo profunda e complexa.

A tristeza é um elemento sempre presente em Estela sem Deus. Ainda para o Nonada, Tenório explica que esta tristeza “não é uma tristeza melancólica (...) é uma tristeza como um método de sobrevivência (...) . quem é triste nos meus livros, é porque discorda da vida, eles são inconformados com as coisas. Essa tristeza então aparece como uma forma de luta, não é uma tristeza que te paralisa”.

É justamente a inconformidade, ainda mal compreendida pela mente da infância e da adolescência, que define os personagens de Tenório. Estela pode não compreender conceitualmente a gravidade de sua situação, mas já é capaz de rejeitar o que lhe causa angústia e desconforto.

Ler Estela sem Deus e O Beijo na Parede é uma experiência inesquecível, um contato com a difícil realidade brasileira e com aqueles que, mesmo contra qualquer expectativa e oportunidade, buscam manter sua humanidade. Aguardemos com ansiedade o lançamento de O Avesso da Pele.

12/08/2020

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