Escrita
Uma regra tão átona quanto o pronome
Léo Ustárroz
Antes de iniciar, mas já iniciando, confesso minhas dificuldades em acatar as regras. Todas, ou quase todas. No mÃnimo, muitas delas.
Em se tratando das regras de gramática, isso é agravado pela falta de forma-ção acadêmica nas letras. E torna-se agudo pelo espÃrito rebelde, que se identifica com dita-dos do tipo: “o verdadeiro mundo está além de suas portas”, “regras existem para serem quebradas”, “si hay gobierno, soy contra”, e assim por diante.
Uma dessas regras, absolutamente átonas, sem força, do tipo que só existe para ser desrespeitada — na minha rebelde opinião —, é aquela que diz: “não se inicia perÃo-do por pronome átono”.
Não faz muito tempo, em oficina literária, escrevi um conto que iniciava as-sim: “Nos conhecemos ao ingressar na faculdade.”
Para minha surpresa e tristeza — na época nem conhecia essa regra —, o professor iniciou sua análise dizendo que, além de iniciar um perÃodo por pronome átono, eu iniciara o conto dessa maneira. E explicou sobre a regra em questão. Eu ouvia calado, de inÃcio desapontado, mas depois com divertimento, ao ver a dificuldade de criar opções para dizer aquilo que foi dito, sem ferir a lÃngua culta.
Enquanto isso, o personagem do conto, narrador em primeira pessoa, me observava de canto de olho, também divertido com as sugestões apresentadas para dizer simplesmente: “Nos conhecemos ao ingressar na faculdade.”
Após o encontro, me debrucei sobre o assunto, pesquisando e também jo-gando a questão para grupos de escrita, indagando sobre o motivo substancial que justifica essa regra? As respostas vieram em duas vertentes, aqueles muitos que simplesmente repe-tiam que não se inicia perÃodo por pronome átono, mas também alguns poucos que diziam que as regras de linguagem podem — à s vezes devem ¬— ser relevadas na escrita.
De fato, tenho o sentimento de que escritores como José Saramago, Valter Hugo Mãe e Guimarães Rosa tiveram que romper as fronteiras das regras, tamanhas forças criativas.
De Oswald de Andrade, trago a preciosa lição na forma de poesia.
“Pronominais
Dê-me o cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro.”
Para não dar uma falsa impressão que proponho acabar com as regras, finalizo obser-vando que são poucos os escritores com essa capacidade espetacular de criar literatura de alto nÃvel rompendo essas amarras.
O caminho mais seguro será sempre escrever com um olho na gramática formal, respeitando os comentários de seu leitor crÃtico e correções de seu revisor.
Você, leitor e escritor, saberá bem escolher seu caminho, e, se quiser que-brar alguma regra gramatical, vá em frente. Posso assegurar que o risco de prejudicar seu texto é alto, mas é muito mais divertido.
01/09/2019
Comentários:
Dei-me conta agora, quando i as palavras de maneira instintiva, como um bom branco e negro brasileiros. Quase enviei a mensagem dizendo - Me dei conta que as vezes lemos um texto, aparentemente simples, mas motivador.
Daniel Finkler , Porto Alegre/Rs 10/09/2019 - 08:58
Achei ótimo. Nunca fui boa em Gramática justamente por não gostar de decorara regras. Sei que temos que obedecer às leis gramaticais, mas escrevo intuitivamente e quase sempre dá certo. Opa, esse "dá" será correto? A-
Maria José Monte Holanda , Fortaleza/CE 06/09/2019 - 10:51
Muito bom, terei que me debruçar sobre. Um abraço
Leila , Porto Alegre 02/09/2019 - 15:08
Envie seu comentário
Preencha os campos abaixo.
Léo Ustárroz
Léo Ustárroz nasceu em 1952, natural de Bagé-RS. Com formação em Engenharia QuÃmica pela UFRGS e Ciências JurÃdicas e Sociais pela PUCRS, é empresário, bloguista, e contribui como articulista em jornais locais e sÃtios eletrônicos. Autor dos romances SALA DE EMBARQUE (2016) e RESGATE EM PAMPLONA (2018), pela Editora Metamorfose.
Colunas de Léo Ustárroz:
Selecione
E a máquina de fazer brasileiros? (24/09/2022) Você já ligou para seu amigo hoje? (05/04/2020) Escreva, Forrest, escreva! (27/11/2019) Uma regra tão átona quanto o pronome (01/09/2019) Terra, planeta lixo (14/01/2019) Um Estado liberal pode patrocinar a arte? (19/11/2018) Mas não se mata cavalo? (17/09/2018) Terapia pela escrita (03/06/2018) Esqueçam os livros! (16/06/2017) O que os “bestsellers” têm em comum? (17/02/2017) Auto-estima e (falta de) conhecimento (24/10/2016) Revisão crÃtica, para que revisão crÃtica? (13/06/2016) Um Ano Quixotesco (26/04/2016) Uma festa muito louca (05/03/2016) Eu e a Barata (15/02/2016) Promessas para o Ano Novo (09/01/2016) Viagem ficcional, uma boa ideia (04/12/2015) Ler para aprender, ler melhor para crescer (30/10/2015) Ad ganga med bok I managanum OU o fenômeno da escrita na Islândia (02/10/2015)
Os comentários são publicados no portal da forma como foram enviados em respeito
ao usuário, não responsabilizando-se o AG ou o autor pelo teor dos comentários
nem pela sua correção linguística.