Reflexão
Ainda os pecados?
Marta Leiria
Um dos conferencistas desta edição do Fronteiras do Pensamento, voltada à reflexão sobre os sentidos da vida, é Luc Ferry, defensor do Humanismo Secular – visão de mundo contraposta à religião, compromissada com o uso da razão crÃtica no lugar da fé. No livro “Aprender a viver”, o filósofo francês mostra que o principal objetivo das escolas da Antiguidade grega já era o de superar a banalidade da vida cotidiana. Faz a ponte entre a filosofia e o cristianismo. Se a pólis grega admitia a escravidão, a religião cristã inovou ao trazer a noção de que os homens se igualam em dignidade, ideia da qual universo democrático será em parte, herdeiro. Outra boa-nova cristã: a ressurreição.
Vieram novas correntes filosóficas, religiões, crenças. Não abandonamos a busca do sentido da vida – com ou sem Deus. Em Estados laicos, ainda cabe estudar os pecados postos nos Evangelhos? Em instigante curso on-line – “Pecados, uma anatomia da alma” – o filósofo Luiz Felipe Pondé demonstra que tal estudo é, sim, pertinente. Tenhamos ou não fé. Aborda o conceito de pecado, que veio da tradição bÃblica e se transformou em uma chave de análise do comportamento humano. Da idade média, até hoje.
Se aceitávamos o sofrimento terreno aguardando o paraÃso no céu, a dúvida acerca da ressurreição nos leva a querer viver bem o maior tempo possÃvel por aqui mesmo. Botamos fé na ciência para nos livrar da morte. O pecado da vaidade nos cega ao acreditarmos que tudo podemos. Basta o pensamento positivo, garantem os novos gurus. A inveja, que de santa não tem nada, aponta, o tempo inteiro, gente mais talentosa, mais bonita, mais rica, e, para completar, mais humilde do que nós. Então, quais as virtudes capazes de duelar com nossa natureza imperfeita? É preciso valorizar e investir na Filosofia. Refletir sobre os pecados pode nos ajudar na busca do tão almejado sentido da vida. Especialmente neste mundo contemporâneo que tenta negar, a todo custo, a fragilidade da condição humana.
01/08/2019
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Marta Leiria
Marta Leiria é escritora e Procuradora de Justiça aposentada. Graduada em Ciências JurÃdicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS (1985). Ingressou na carreira do Ministério Público do RS no ano de 1988, aposentando-se em março 2019. Iniciou-se em 2012 na arte da crônica e do conto, participando de oficinas de escrita criativa e publicando artigos em Zero Hora e outros jornais. Lançou seu primeiro livro individual de crônicas e contos na 65ª Feira do Livro de Porto Alegre: A inveja nossa de cada dia e outras reflexões crônicas, Ed. Metamorfose, 2019. A obra foi finalista do Prêmio Minuano de Literatura 2020 na categoria Crônica e do Prêmio Apolinário Porto Alegre 2020, da Academia Rio-Grandense de Letras.
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