Reflexão
Rompendo fronteiras
Marta Leiria
Na 2ª conferência desta edição do Fronteiras do Pensamento, ouvimos a escritora Leila Slimani, autora, dentre outras obras, do premiado romance “Canção de Ninar”. Destaco da sua fala o fato de a escritora ser frequentemente instada a dar explicações sobre quem, afinal, ela é, como se tivesse de fazer uma escolha por ser franco-marroquina. Demandada em entrevistas, revela o desconforto que sente em se autocategorizar em percentuais. Quanto por cento marroquina? Quanto por cento francesa? Questões étnicas, ideológicas, religiosas, culturais permeiam essas indagações de pesos e medidas. Acredita que nem tanto o que se é importa. Concordo com ela ao afirmar que aquilo que se faz, sim, é relevante.
Instigante ouvir que a multiétnica Slimani se considera cem por cento marroquina, diante da origem familiar, do nome, local de nascimento, pele, identidade cultural. E, paradoxalmente, cem por cento francesa, por sua educação, formação intelectual, paÃs de residência, e também identidade cultural. Ouvindo-a, compreende-se o estranhamento que é capaz de provocar tanto no Marrocos quanto na França. Não opta por um paÃs ou outro, não raro desagradando, por suas posições, uns e outros. Sente pertencer a esses dois mundos e valoriza o quanto aprendeu e continua a assimilar dessas culturas tão dÃspares em determinados aspectos, buscando exercer com liberdade e olhar crÃtico sua particular visão de mundo.
Nesta edição de 2018 conheceremos mais de perto pessoas influentes como Catherine Millet, autora do corajoso relato em que retrata sua movimentada vida sexual, e o filósofo Pondé, autor, dentre outros livros politicamente incorretos, de “A era do ressentimento” e “Contra um mundo melhor” - estes dois os meus preferidos do escritor. Pensadores que mostram a complexidade da natureza humana, e que, por isso mesmo, têm muito a nos ensinar. Se construir unanimidades está longe de ser factÃvel, é o conhecimento da perspectiva do outro que nos permitirá a construção de consensos básicos de modo a garantir a sobrevivência desta intrincada sociedade democrática moderna.
01/07/2018
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Marta Leiria
Marta Leiria é escritora e Procuradora de Justiça aposentada. Graduada em Ciências JurÃdicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS (1985). Ingressou na carreira do Ministério Público do RS no ano de 1988, aposentando-se em março 2019. Iniciou-se em 2012 na arte da crônica e do conto, participando de oficinas de escrita criativa e publicando artigos em Zero Hora e outros jornais. Lançou seu primeiro livro individual de crônicas e contos na 65ª Feira do Livro de Porto Alegre: A inveja nossa de cada dia e outras reflexões crônicas, Ed. Metamorfose, 2019. A obra foi finalista do Prêmio Minuano de Literatura 2020 na categoria Crônica e do Prêmio Apolinário Porto Alegre 2020, da Academia Rio-Grandense de Letras.
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