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Oficina literária é como uma aula de piano, se aprende técnicas
Marcelo Spalding

Leia a seguir a entrevista concedida por Marcelo Spalding para a pesquisa de mestrado de Yan Patrick Brandemburg Siqueira, sobre “Oficinas de criação literária: o caso capixaba”
 
Yan Siqueira: Como entrou em contato com a Escrita Criativa e as Oficinas Literárias? Quais foram/são suas influências (livros, filmes, palestras, pessoas) para exercer essa atividade? 
 
Marcelo Spalding: Eu escrevo desde muito jovem, aos 11 anos ganhei um Prêmio de um concurso da ZH, nosso jornal diário local, e desde então não parei mais de escrever, tanto ficção quanto não-ficção. Aos 16 anos, escrevi um livro, As 5 Pontas de uma Estrela, e o publiquei no ano 2000 por conta própria. Quando esgotou a primeira edição (sim, consegui essa façanha), procurei um editor, Walmor Santos, para fazer a segunda edição, e ele me sugeriu frequentar a Oficina de Criação Literária do Prof. Luiz Antonio de Assis Brasil, um romancista muito conhecido no RS. Sua oficina é um curso de extensão da PUCRS e tem quase 30 anos. Me inscrevi, fui aceito e fiz a oficina. Sobre esse período, costumo dizer que foi uma experiência traumática: eu reaprendi a escrever. Entrei na oficina muito cru, achando que era o melhor escritor do mundo, e ali descobri uma infinidade de gente apaixonada pela literatura e disposta a não apenas ler, mas também produzir literatura.
 
Yan Siqueira: Qual seria o objetivo maior de uma Oficina Literária?
 
Marcelo Spalding: O objetivo maior de uma oficina literária é aprender técnicas de criação literária, assim como em uma aula de piano se aprende técnicas para tocar piano. Com a diferença que piano pode se aprender “do zero”, e ninguém entra em uma oficina para aprender a escrever “do zero”, pois a alfabetização é parte importante do currículo escolar. Outro erro comum é achar que a Oficina vai dar talento para alguém: não vai. Pode desbloquear (isso acontece muito), mas talento e inspiração devem ser inerentes ao escritor. Em geral quem se inscreve em uma oficina dessas já tem inspiração, desconfia do seu talento e com as técnicas descobrirá que o “talento” é o menos importante, e sim a construção, o trabalho e retrabalho.
 
Yan Siqueira: Como organiza suas oficinas literárias? Por exemplo, duração dos encontros, se organiza em temáticas, ou a escolha de gêneros, se ocorre muita variação conforme o público-alvo? Etc. 
 
Marcelo Spalding: Há alguns anos inovei e criei a Oficina Literária Online. No começo a ideia era atender a algumas pessoas do interior do Rio Grande do Sul que reclamavam da falta de oficinas em suas cidades, mas o projeto cresceu e hoje tem alunos de todo o país. Bem, nessa oficina as aulas estão postadas em um ambiente virtual, divididas por temáticas bem práticas (narrador, tempo, espaço, figuras de linguagem). E o grande diferencial da oficina é que além do material didático multimídia feito especialmente para a oficina, eu leio e comento pessoalmente os textos produzidos ao longo do curso.
 
Yan Siqueira:Quais procedimentos/exercícios considera fundamentais que ocorram em uma oficina? Por exemplo, qual atividade, por mais que você foi atualizando todo o processo com o tempo, permaneceu? 
 
Marcelo Spalding: O mais importante em uma oficina é a escrita e a leitura crítica. Em oficinas presenciais, essa leitura crítica em geral é feita em grupo, o que tem vantagens e desvantagens. Na oficina online, é texto a texto, dando a mim mais liberdade, inclusive, de apontar problemas no texto. Afora isso, noto que é fundamental ter boas provocações, bons desafios para que os escritores experimentem técnicas novas, escrevam sobre assuntos ou com temáticas que não fariam se não fosse a oficina. Um exemplo é um exercício em que a mesma cena deve ser escrita pela perspectiva de três narradores diferentes; outro é o que transforma uma música em um conto. E não posso deixar de mencionar o texto feito só por diálogos, que também é uma sensação entre os participantes da oficina.
 
Yan Siqueira:Ainda quanto a organização de sua oficina: ocorre a utilização de textos teóricos?  Por exemplo, sobre pontos de vida, criação de personagens, entre outros. Ou essa prática se dá durante os debates dentro da própria oficina?
 
Marcelo Spalding: Tenho a opinião de que um dos papéis do professor de oficina é levar a teoria literária aos alunos. Sem o hermetismo da teoria, focando no aspecto prático. Mas tem que levar. Dessa forma, utilizo Barthes, Calvino, Poe, Cortázar, Aristóteles e tantos outros para apresentar aos participantes as técnicas literárias.
 
Yan Siqueira:Para quem deseja começar seus estudos nesta área, quais obras considera fundamentais para a leitura? 
Obs.: Sei que o assunto é bem amplo, mas gostaria que ficasse livre para responder o que considera mais interessante, ou mais “útil” – o critério é seu. 
 
Marcelo Spalding: Há alguns livros interessantes, como A arte da ficção, do David Lodge, e Cartas a um jovem escritor, do Vargas Llosa. Sem contar os mais teóricos, Cortázar, Calvino, Barthes, e a Poética do Aristóteles, claro.
 
Yan Siqueira:De modo geral, qual o perfil dos alunos interessados na oficina [se é que é possível traçar]? 
 
Marcelo Spalding: O perfil é muito variado, mas um ponto em comum é a paixão pela literatura (não necessariamente a literatura canônica). Em muitos se vê o desejo de mudar de rumo, advogados cansados da profissão, senhoras e senhores aposentados, estudantes em dúvida sobre o futuro profissional. Como eu acredito que escrever bem, de forma criativa, é útil para qualquer tipo de pessoa, na vida pessoal e profissional, acho o máximo essa procura por pessoas tão distintas.
 
Yan Siqueira:As oficinas com suas atividades diversificadas acabam por dinamizar a escrita, muitas vezes praticada de forma ‘irregular’ em um ambiente escolar. Considera que o ensino de Escrita Criativa pode ser utilizada em salas de aula? Como?
 
Marcelo Spalding: Sim, o ensino de literatura nas escolas é antiquado e até atrapalha o gosto pela leitura. Nossos jovens deveriam ser estimulados a escrever mais, e não só redação dissertativa: deveriam criar poemas, letras de música, contos, ficções. Por que eles não podem criar sua própria história de vampiro? Acredito que o uso da escrita criativa como forma de estimular a leitura e a escrita é fundamental e aos poucos vai substituir a abordagem histórico-metodológica do ensino de literatura tradicional.
 
Yan Siqueira:Uma das principais críticas quanto a prática de uma Oficina Literária se dá pelo argumento de que “escrever não se ensina”, portanto, se a pessoa não possuir um “talento nato”, de nada servirá tal prática. Qual sua opinião sobre isso?
 
Marcelo Spalding: É difícil medir talento e criminoso dizer para alguém que a pessoa não tem talento. Fosse assim Van Gogh e Fernando Pessoa, que não foram reconhecidos em suas épocas, não teriam a repercussão que têm hoje. Acho que a sociedade pós-moderna, ao mesmo tempo que idolatra o gênio, desconfia dessa coisa de meia dúzia de seres especiais. Existem os gênios? Sim, existem. Mas se eles não tiverem condições sociais, técnicas e até emocionais de escreverem, não serão descobertos como grandes escritores. Por outro lado, muita gente que gosta de leitura, tem boas histórias para contar e muita técnica pode produzir livros interessantíssimos e até, quem sabe, ganhar um lugar na literatura brasileira. Se bem que hoje em dia poucas pessoas escrevem para fazer história, as pessoas escrevem porque sentem necessidade, querem ser lidas, compartilhar ideias, valores, provocar emoções. Se der certo, deu; se não der, não deu. 
 
Outra crítica que se faz a Oficinas Literárias é que elas padronizariam a forma de escrever. Isso é uma grande bobagem, pois uma boa oficina demonstra que a arte é plural, está sempre se reinventando, ainda que não se exima de apresentar técnicas consagradas. É como dizia o Assis: para fazer uma torta, antes tem que aprender a receita do bolo, mesmo que depois você, com a prática, a experiência e o talento, não use ovos para fazer o bolo.
 
Yan Siqueira: Qual a importância de se ter uma Oficina Literária em uma cidade? De que forma considera que isso gera [e se gera] benefícios para seus participantes e/ou à comunidade em que ela se insere?
 
Marcelo Spalding: Acho que a existência de uma vida literária é fundamental para uma cidade preservar sua cultura. Não se faz cinema com uma pessoa só, raramente se faz música com uma pessoa só, mas se faz literatura com uma pessoa só. Dessa forma, é importante que um município estimule a existência do que Cândido chama de sistema literário, e aí incluem-se não só oficinas, mas também saraus, feiras, concursos, grupos literários. Nesse sentido o Rio Grande do Sul é abençoado.

01/12/2014

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  Marcelo Spalding

Marcelo Spalding é professor, escritor com 8 livros individuais, editor de mais de 80 livros e jornalista. É pós-doutor em Escrita Criativa pela PUCRS, doutor em Literatura Comparada pela UFRGS, mestre em Literatura Brasileira pela UFRGS e formado em Jornalismo e Letras.

marcelo@marcelospalding.com
www.marcelospalding.com
www.facebook.com/marcelo.spalding


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