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Literatura

Rio turbulento da literatura: em busca de reconhecimento
Lucio Saretta

Engana-se quem pensa que a literatura era a única aptidão de Edgar Allan Poe. O escritor americano foi também um exímio atleta, pelo menos durante a sua juventude. Ficou célebre o seu mergulho nas águas do Rio James, atravessando a distância apreciável de quase dez quilômetros a nado. A proeza foi aparentemente inspirada naquela realizada por Lord Byron, ídolo de Poe no espectro das letras, que cruzou o estreito de Dardanelos, em 1810.

A façanha de Poe foi executada sob um sol inclemente de verão, nadando contra a maré em boa parte do percurso. Uma atitude de coragem, sacrifício e estoicismo comparável apenas aos afazeres e dissabores do escritor que busca espaço no concorrido mundo das letras. Coincidência ou não, o autor do famoso poema “O Corvo” permanece como um exemplo clássico do artista que nunca obteve o reconhecimento devido nos seus dias, a despeito da sua obra magistral. De fato, quem mergulha no rio turbulento da literatura, arrisca a própria vida sem ter garantia de nada, além da alegria fugaz de compartilhar seus textos com algum amigo ou parente próximo, em um esforço solitário e nauseabundo.

Os escolhos a serem transpostos na travessia são infinitos, a começar pelo desprezo direcionado ao escritor desconhecido que busca iniciar uma carreira. Qualquer talento novo que apareça na cidade é logo rechaçado, afinal o que importa é idolatrar os valores que vem de fora. Escolas adotam livros somente de quem tiver algum conhecido lá dentro, ou de figuras públicas que estejam na mídia. Para viajar nos programas de escritores itinerantes (ganhando até cachê, vejam só!), é preciso ter os contatos certos. Ou seja, órgãos de apoio ao escritor são iniciativas louváveis, mas que funcionam apenas para alguns poucos.

Além disso, as editoras, na sua maioria, têm uma postura predadora e cínica para com o escritor. Primeiro adulam o pobre coitado, recebendo os originais do livro com alegria. Depois, vem o silêncio avassalador e eterno, castigando a alma ansiosa do artista sem misericórdia. Afinal, o que custa passar um e-mail informando que o projeto foi recusado? Todos nós sabemos que as editoras são empresas que visam o lucro, antes de serem entidades culturais ou filantrópicas. Não há nada de errado nisso. O problema é a falta de educação para com o escritor, o elo mais fraco da corrente. O ramo literário, onde o sentimento e a lira da inspiração valem ouro, é o mesmo onde as pessoas recebem um tratamento indigno e desumano.

Não são poucos os editores que agem como se fossem semideuses, brincando, de forma sádica até, com as esperanças do escritor. De forma covarde, encastelados na sórdida torre da prepotência, evitam até o fim o encontro com aquele que pede uma chance para mostrar seus rascunhos. Todas essas situações vão minando a autoestima do escritor, e podem fazê-lo desistir, ou resignar-se. Mas também podem servir como um estímulo extra, um desejo de lutar contra essa lógica perversa e seguir nadando contra a corrente.

Para piorar, os agentes literários, que poderiam servir como uma espécie de empresário do escritor, querem trabalhar apenas com nomes já consagrados, em uma nítida atitude comodista e esperta. Se o seu livro for de crônicas ou poesia então, esses indivíduos vão fugir de você como o diabo foge da cruz, tendo pesadelos à noite só de lembrar da sua cara. Outro obstáculo a ser superado são as “legiões de não-leitores”, conceito empregado por Charles Kiefer para definir uma das chagas presentes na vida do aspirante a escriba. Afinal, quase ninguém lê o que a gente produz no começo (e às vezes é assim até o final), deixando uma sensação de vazio e solidão, algo parecido com a morte dentro da vida.

No caso de Poe, outras armadilhas surgiram no percurso. A sua facilidade em colecionar desafetos foi uma delas. Embora tenha sido um excelente poeta e contista, Poe era mais conhecido em seu tempo como crítico. Da sua pena jorrava sangue, a ponto do escritor de bigodinho e olheiras profundas ser comparado a um índio em busca de escalpos. Mas é provável que ele buscasse mesmo, através dos seus comentários, ditar um novo rumo para a literatura americana, arrasando os supostos maus escribas em nome de um bem comum.  A pobreza sufocante experimentada por Poe também colaborou para a sua derrocada. Inábil no terreno dos negócios, ele nunca conseguiu juntar dinheiro para viver com dignidade. A falta de tino comercial é uma característica, aliás, presente na maioria dos artistas. Dickens e Picasso, por exemplo, foram exceções, obtendo glória e popularidade em vida.

Mas não é deles que eu estou falando. Estou falando do escritor comum, que espera, assim como Poe ao abordar Dickens quando o inglês veio para a América, fazer contatos com autores famosos, quem sabe entregando-lhes o seu livro autografado, com a esperança de que o maioral se interesse pelo trabalho e abra alguma porta no labirinto sombrio do mundo literário. Enquanto isso não acontece, as águas do rio correm vigorosas na direção oposta do sonhador, que ofegante emprega uma braçada após outra sob o calor do sol. Um cenário que seria lindo se não fosse tétrico, eco de um conto do próprio Poe, com a beleza das palavras compondo um universo indissolúvel às agruras da morte e dos percalços inevitáveis e tristonhos do fazer literário.


23/05/2013

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