Era um sonho antigo constituir uma galeria de arte, até porque achava que poderia fazer alguma coisa para artistas em início de carreira - assim nasceu a AZUL Produtora Galeria, em maio de 2008. Ao final de 2009, quase dois anos depois encerra-se um ciclo de atividades que vinham ocorrendo permanentemente todos os sábados e as questões de gerenciamento de acervo. Em 2010, o formato de funcionamento muda, ampliando o espaço expositivo para todas as paredes, eliminando acervos consignados e trabalhando apenas nos dias das aberturas, que serão eventos multisensoriais, com a arte inserida em propostas expositivas interativas e imersivas. A possibilidade de aquisição de obras será direcionada para o/s artista/s do evento e do acervo adquirido.
Este artigo/manual é um resumo das experiências de quase dois anos no formato de galeria convencional, conforme prometi aos leitores da AZUL.
COMO UMA GALERIA COMEÇA
Logo no início, fui atrás de bibliografias a respeito. Muito difícil de encontrar. A maioria eram levantamentos históricos sobre contextos que não são mais nossa realidade. Atualmente existe um site que tem levantado boas informações a respeito: http://www.investarte.com/consultarte/scripts/home.asp
Mas mesmo com as bases do site, muita coisa a gente só aprende na prática. Logo, ciente de que não se trata de dar fórmulas mágicas, mas de um depoimento nascido na experiência prática, modestamente, compartilho observações destes dois últimos anos, por considerar que possa ampliar referências sobre o assunto.
Uma coisa se mostra claro: Atualmente, cada galeria tem uma identidade de trabalho bem diferenciada, mesmo que trabalhe artistas e públicos comuns com outras galerias. Isso deve-se ao formato de recepção aos visitantes, arquitetura física do espaço, museografias e programações escolhidas, preços e negociações praticadas, formas de apresentar tudo isso para o público e muito ligado à personalidade e contexto ideológico de seu/s galerista/s.
Lógico que para ter uma galeria é necessário conhecimento em arte, pois é uma atividade muito mais ligada à sensibilidade da percepção e uma boa dose de conhecimentos em história da arte, do que simplesmente regras econômicas de compra e venda. Participar exaustivamente do circuito de eventos de arte local é o mínimo para quem deseja conhecer os artistas e todos os agentes de arte que farão parte do público do galerista. Ele pode ser artista, um caminho natural até, e naturalmente uma galeria pode nascer dentro do ateliê. O que importa é entender sobre o que se vende, suas origens, relações e critérios de qualificação. Mas enfim, minha intenção não é escrever sobre o galerista – que seria um outro enorme capítulo, mas sobre as atividades administrativas essenciais ao empreendimento. Assim como não adianta querer ter uma galeria sem bons conhecimentos em arte, igualmente um expert em arte poderá ter muitas dificuldades sem domínio de alguns conhecimentos básicos em produção e promoção.
Vender arte não é tarefa fácil e ainda não observei ninguém que tivesse uma fórmula mais rentável que a outra. Quem vende barato, vende bastante, mas ganha pouco. Quem vende caro, vende pouco e acaba ganhando parecido com quem vende barato. E mais que tudo, depende do contexto de cada mercado, porque é óbvio ululante que o mercado de arte gaúcho é beeeeem diferente do paulista, por exemplo.
Apesar de tudo, acredito que nosso mercado é promissor e que a diferença de sucesso vai surgir com o tempo de insistência como galeria, poder de integração com outros mercados e um trabalho diário na construção de público, mas para isso, para o sucesso da galeria, é necessário um investimento de tempo do administrador que seja completamente dedicado, pois são inúmeras tarefas a cumprir que deverão se articular com seu poder de se sustentar antes da galeria começar a render algum dinheiro. Logo, se o/a galerista tem outro emprego para se sustentar, sua capacidade de trabalhar no desenvolvimento da galeria será menor e mais difícil (critério que pesou bastante para as mudanças administrativas da AZUL para 2010).
No caso da AZUL, até o final de 2009, trabalhou-se com uma sala principal dedicada à "exposição-lançamento" e um acervo igualmente exposto, com diversos artistas, na sala interna, com funcionamento todos os sábados para atendimento do público e utilizando horários não comerciais para tarefas administrativas e de promoção.
A partir disto, identificou-se que as atividades da galeria se dividiram basicamente em: Administração do Acervo, Produção de Exposições, Promoção e Agenda
ACERVO
Normalmente a captação de obras para o início de um acervo ocorre por consignação ou compra. Na experiência da AZUL entre 2008 e 2009, trabalhou-se com consignação em 90% dos casos.
Para administrar este acervo com sucesso, deve-se ter uma variedade de artistas, técnicas e preços, tudo organizado em fichas para cada um dos artistas, constando de informações e imagens sobre cada um dos trabalhos e preferencialmente repetir tudo isso no site da galeria, na forma de uma galeria on line possibilitando a venda à distância.
Bom...isso já é um monte de trabalho, até porque normalmente é o galerista que fará as fotos e alimentará o site, pois se for depender de terceiros, esqueça! É muito difícil manter qualquer coisa atualizada que dependa de um webmaster que não seja seu funcionário exclusivo e pago (boa vontade de “amigos que entendem tudo de informática” acabam em menos de um mês e você vai acabar pagando por um troço estático e defasado que virará sucata cultural de internet) – logo, quem pretende começar uma galeria, sugiro a eficiência de um blog, com um segundo blog de imagens/galeria linkado.
Quando estiver montando seu acervo, no momento que o/a artista for deixar obras pra você, não esqueça de tomar notas de tudo, sobre a obra, sobre os contatos do artista e sobre os preços e faça-o assinar tudo. Mantenha esta ficha num arquivo. Nem você nem o artista terão memória sobre estes detalhes daqui a dois meses. Por mais que o artista seja seu amigo/a não deixe de registrar tudo.
Ainda sobre o acervo, no caso de vendas, duas coisas são fundamentais:
Organização das obras embaladas para a retirada - É importante manter um local de estocagem das obras para a retirada específico e sinalizar bem na embalagem a quem se destina, qual o artista e qual a obra que é, senão na hora de entregar a obra será uma dor de cabeça localizá-la. Uma obra em papel, guardada em envelope é muito fácil de desaparecer na papelada da casa...Não esqueça de assinalar a transação na ficha do artista, dando baixa da obra.
Organização dos pagamentos aos artistas – Mantenha um caixa muito bem organizado, pois no momento do troco você poderá necessitar mexer em valores que depois deverão ser repostos. Tenha um caderno de registros das vendas, para quem você deve e para quem já pagou. Em negociações parceladas isso será muito importante. Não esqueça de pegar vistos ou recibos tanto de quem está comprando quanto para quem está pagando. Anote tudo, não confie nunca em sua memória, pois os dados para lembrar serão cada vez mais numerosos e será fácil se confundir.
Para montar um acervo, basta circular nos eventos de arte com um caderninho e ir escolhendo o que lhe agrada – anotando nomes e endereços para futuros contatos, principalmente em salões, exposições de universidade e mostras coletivas. Preste atenção às ruas também, onde muitos artistas estão colocando trabalhos. Se você já tem uma roda de amigos artistas será mais fácil. Em qualquer um dos casos, faça um convite formal por escrito, pode ser por e-mail mesmo, onde você apresentará sua galeria e as regras que você estabeleceu para o funcionamento dos artistas que pertencem ao seu acervo. Quanto cobra de comissão, tempo de exposição, finalidades futuras, informações que necessita, horários de funcionamento...enfim, deixe tudo claro a respeito dos direitos e deveres das partes, afim de que cada um saiba exatamente o que esperar dessa relação, evitando “maus-entendidos” e preservando as amizades. Logo no começo da AZUL, romântica, acreditava na liberdade e num tipo de "constituição norte-americana" com regras básicas, mas o cotidiano bem brasileiro forçou-me a repensar o assunto, elencando com detalhes, intenções, prazos e critérios.
EXPOSIÇÃO, PROMOÇÃO E AGENDA
Atualmente a maioria dos artistas em Porto Alegre tem uma noção de como montar exposições, mas quando se tem um espaço expositivo e uma agenda de eventos, percebe-se que existe a necessidade de padronizar rotinas para alcançar um padrão de eficiência mais qualificado. O mapeamento das atividades de produção e o respeito aos prazos serão fundamentais para dinamizar o retorno do investimento de tempo, dinheiro e esforços.
Critério básico de tempo: Entre uma exposição e a outra, deve haver um prazo para desmontagem e montagem de, no mínimo, 3 semanas - o que já acho apertado; senão fica-se louco entre a agenda de encerramento de uma e a promoção da próxima, sem conseguir dar o melhor e perdendo oportunidades como, por exemplo, aproveitar o mailling obtido de uma exposição para divulgação da próxima. É muito comum pedir o e-mail no livro de visitas, mas tenho minhas dúvidas se todo mundo aproveita para atualizar aqueles endereços no mailling de divulgação. Na AZUL, devido às inúmeras atividades que se sobrepunham em função de prazos apertados, muitas vezes isso passou sem providências.
Mas vamos do começo...
1. Para quem se oferecer para fazer exposição, solicitar projeto. Não agendar só porque é amigo/conhecido, pois futuramente, por falta de deixar as coisas claras, amigos podem virar inimigos. No campo profissional, tudo tem projeto, previsões, estratégias e quem não tiver isso é porque vai sobrar pro galerista resolver, ou, na pior das hipóteses, é porque o artista ainda não está maduro para expor na galeria. Então, não se intimide e peça projeto expositivo, mesmo que você mude as coisas depois, mas isso irá descartar muito constrangimento futuro.
2. Numa primeira reunião com antecedência de 4 meses no mínimo, definir: data da exposição, prazos anteriores de montagem, informações e fotos sobre os trabalhos que serão expostos, custos de coquetel, manutenção/faxineira, custos de fotógrafos/videomakers, preços das obras.
MUITO CUIDADO: A maioria dos artistas iniciantes, e alguns até bem profissionais, tem o péssimo hábito de se comprometerem com uma coisa e mudarem tudo no meio do caminho, deixando montagens para o último momento, demorando mais do que haviam se comprometido, dizendo que o trabalho é pequeno e depois ele vira gigante ou vice-versa. Tudo isso se reflete nos prazos e nas informações divulgadas, que terão problemas e que você terá que resolver correndo atrás da máquina. Não confie em amizades, nem na cara de honesto do freguês, deixe tudo acordado por escrito e com penalidades operacionais caso as coisas não aconteçam como prometido. Não se constranja em ser chato/a, pois artistas e público não terão peninha ao fazerem julgamentos sobre você e a galeria. Se você se esforçar ao máximo pra deixar tudo organizado e nos prazos e mesmo assim o artista não cumprir combinações, relaxe, largue de mão e pense na próxima exposição... Afinal, o meio artístico é feito de criatividade, logo, saiba lidar com os imprevistos e tente sempre ter um plano B caso isso aconteça.
3. Com dois meses antes, monte as informações para divulgação - ajustar tudo demora. O Que, Quem, Quando, Onde, Porque + Imagem. Cartaz, convite eletrônico, releases para imprensa - release com boas fotos tem mais chance de ser publicado. Utilize jornal, programas de rádio e tv, jornais de bairro, twitter, site e blogs de jornalismo cultural...se puder ter uma pessoa só pra fazer isso, viciada em internet, facilita. Comece a divulgar com 3 semanas de antecedência. Cada jornal tem seus prazos de divulgação que estão divulgados nos editoriais ou outra sessão específica, busque saber, porque o que é antecedência pra uns pra outros é esquecimento...
4. Não esqueça de distribuir o material gráfico – e descobrirá que isso não é tão fácil como parece. Faça uma lista com endereços e quantidades antes de sair a esmo por ai. A não ser que você vá fazer uma divulgação mega pela cidade... Caso contrário, se for trabalhar com divulgação focada, perceberá que nem todos os lugares são público alvo e que vale a pena objetivar. Cartazes coloridos com foto, chamam mais atenção do que xerox...pense em diagramações que respiram, que não sejam poluídas...na dúvida, peça ajuda pra alguém que entenda de publicidade, pois conhecer artes visuais não é sinônimo de comunicação visual.
5. Uma semana antes, a montagem deverá estar pronta. No mínimo, 3 dias antes, para poder resolver qualquer imprevisto de ultima hora, inclusive atraso na montagem.
6. Produção do evento no dia – recepção dos convidados – fale com todos eles, apresente o artista, seja anfitrião, esteja sempre atento para a limpeza do evento, para a circulação dos comes e bebes se houver, providencie pessoas para fazer registros: filmagem, fotos, som. Faça fotos com sua máquina para atualizar seu site/blog com rapidez e dinâmica, ampliando a divulgação do evento e criando expectativas para os próximos.
7. Pós- Produção - Relatório com fotos, redação de texto sobre o artista e o evento, depoimentos dos convidados, suas próprias percepções. Faça um blog diário da galeria, registrando tudo com o máximo de atualização que conseguir, para não ficar buracos na história da galeria e você já ter esse tipo de informações organizadas para se inscrever em prêmios, editais ou similares relevantes para divulgação. Pense que tudo isso alimenta um portfólio virtual que demonstra o quanto sua galeria é ativa, qualificando suas relações. No site da AZUL, navegando pelo link do menu Foto-História, você pode ter um exemplo disto.
Normalmente uma exposição fica de 3 a 4 semanas em cartaz. Assim que você tiver feito a abertura de uma exposição estará praticamente atrasado para trabalhar na próxima. Logo, se você programar muitos eventos no ano, a perspectiva é que esteja sempre correndo atrás da máquina atrasado/a.
Minha sugestão é que o ideal seja entre 4 ou 3 eventos por ano. O grande evento dá visibilidade para a galeria, mas é no atendimento do visitante esporádico, quando o/a galerista tem tempo de dispensar atenções exclusivas e personalizadas, que ocorrem as boas vendas. Claro que se o galerista tiver uma grande equipe de trabalho, será mais ágil operacionalmente, pdendo ampliar o número de eventos por ano. O ideal, em qualquer caso, e trabalhar bem cada evento, tanto na pré-divulgação da abertura, como na pós-divulgação para visitação e, independente de eventos, haverá sempre movimento na galeria. Isso também dependerá de seu fôlego em criar expectativas a cada nova semana e alternar canais de divulgação. Caso tenha dúvidas, contrate ou tenha como parceiro um assessor de imprensa. Estude na internet o que é uma assessoria de imprensa e como fazê-la, pois deverá ser permanente, é fundamental, para a captação de público para a galeria. (Ser o galerista e fazer a própria assessoria de imprensa também é bastante desgastante, pois envolve muito trabalho, criatividade e atividades constantes.) Algumas boas dicas você encontra por aqui: http://www.mariacultura.com.br/blog/a-arte-da-boa-comunicacao
CONCLUSÃO:
É bom esclarecer que a AZUL deixa de trabalhar com acervo consignado e visitação permanente para enxugar um pouco a carga de atividades administrativas, visto que sua galerista compartilha responsabilidades e tempo com atividades de emprego paralelo, dificultando a administração de tantas atividades da galeria. Também é interessante frisar que a AZUL opta por uma identidade experimental, que lhe permite testar modelos, registrar resultados e manter um foco investigativo sobre as relações entre público e arte. Acreditamos que o formato administrativo convencional é válido, desde que haja suficiente poder de dedicação do galerista, caso contrário, haverá a necessidade de optar por atividades alternativas, experiências para as quais a AZUL passa a se dedicar.
Por fim, se você está pensando em iniciar sua galeria, gugerimos, ainda, que navegue pelos sites de outras galerias que tenham um perfil próximo do que você acha bacana, você pode encontrar várias dicas de modelos de funcionamento, adaptar formulários e ter idéias para seu próprio site de galeria. A AZUL se baseou principalmente no site da Casa da Xiclet: http://casadaxiclet.multiply.com
Apesar disso tudo, como dissemos, cada galeria nasce única, assim como os artistas que representa e desejamos boa sorte na empreitada. Conte com a AZUL para montarmos projetos de parcerias entre galerias, pois acreditamos que são ações de compartilhar que irão nos fortalecer.
Good vibrations e visite-nos em 2010!
AZUL Produtora Galeria
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