“É Lee, é calça Lee, é
Lee, é calça Lee...” (baixa o som do jingle, entra a voz
com eco, com muita energia e rapidez na dicção): ”na superquente
Continental, o novo movimento, o som daqui, já gravado no estúdio
2 da superquente, especial para Mr. Lee em concerto, isso é viver a vida
de Lee, é você estar ligado na Continental, ao natural, curtindo
o que os nossos têm pra nos dizer, gente daqui, o novo movimento, a força
do som local (...)”; “superquente Continental, fique parado aí
xará, é gente nossa, som feito aqui no Porto, aqui na superquente
com Mr. Lee, os melhores da música do sul do país, o som que levou
mais de cinco mil pessoas para o Araújo Viana, pra curtir o Concerto
número II, você está sintonizando, curtindo a superquente
(...)”; “Lee, a proposição de uma força nova,
uma coisa daqui, com a força total da superquente Continental (...)”.
(“Living the life of Lee, living the life of Lee...”, baixa o jingle,
entra a voz): “Vivendo a vida de Lee, o importante é você
olhar pra uma Lee e saber que é Lee, Mr. Lee em concerto, pra você
ficar por dentro do que está acontecendo de bom, um trabalho de estrutura,
pra você curtir o som local, valorizar a nossa música, saca o som,
o ritmo autêntico, o recado natural, com a liberdade de Lee, saca a força
desta guitarra (...)”; “isso é viver a vida de Lee, é
você estar ligado na Continental, ao natural, gente daqui, do novo movimento,
a força do som local, um lançamento de Mr. Lee para todo o sul
do país, Mr. Lee em concerto, dando força para os novos talentos,
saca o som, o recado (...); “pra qualquer hora, qualquer lugar, em qualquer
tempo, Lee jeans, veio de muito, muito longe, andou muita estrada pra ficar
junto de você, jeans, a roupa que dá consistência ao corpo
e “guenta” o tirão, pra você curtir a total liberdade
num mundo todo azul, prestigie e valorize os nossos músicos, “vamo”
curtir o recado, com Mr. Lee em Concerto, dando força para os novos talentos,
a onda 1120 superquente Continental, com 20 Kilowatts transistorizados...”
Quem viveu na década de 70 em Porto Alegre e era jovem - ou criança,
como eu, que tinha por volta de dez anos, à época - certamente
nunca mais se esqueceu da voz e da animação incontrolável
do Mr. Lee, captada em nossos incipientes radinhos de pilha, ou então
nos velhos rádios e eletrolas dos “coroas”. Mr. Lee –
personagem hoje mítico no imaginário das novas gerações
do “som local” e na lembrança de seus contemporâneos
setentistas, que a princípio deveria corresponder a um cowboy americano,
mas que aos poucos foi se transmutando em um legítimo “magro do
Bomfa” (O Bomfim é o bairro onde aconteceram alguns dos principais
agitos artísticos e musicais dos anos 60 em diante em Porto Alegre, e
está intimamente ligado, enquanto cenário, ao rock e à
música popular feitos na capital gaúcha), encarnado de corpo e
alma pelo genial radialista Júlio Fürst, na igualmente espetacular
e revolucionária Rádio Continental AM, emissora pertencente ao
Sistema Globo de Rádio.
A Rádio Continental AM, que já existia desde os anos 60, mas
que era uma emissora com programação semelhante a das rádios
AM do interior, sem uma direção clara em sua programação,
foi adquirida pelo Sistema Globo de Rádio no final dos anos 60. No início
dos 70, Fernando Westphalen e Marco Aurélio Wesendonck assumem o comando
da emissora, e recebem carta branca para repaginá-la. Assim, surgiu no
dial portoalegrense uma proposta nova, sendo a Continental um dos primeiros
veículos a apostar na segmentação da audiência jovem,
uma vez que as demais rádios AM, de um modo geral, atuavam no esquema
que ainda é atualmente utilizado naquela faixa de emissão, de
notícias, entretenimento, esportes, política, etc., para o público
em geral, não separado por faixas etárias. A Continental então
traçou o “mapa da mina” cujos rastros foram seguidos a partir
do início da década de oitenta por diversas rádios FMs
na capital dos gaúchos e em seu entorno - quando a música jovem
trocou de faixa no dial do AM para o FM -, formato que se alastrou por todos
os “rincões do pampa” e que, guardadas as proporções,
vigora até hoje. Além de Júlio, a rádio contou com
diversos disk-jóqueis inovadores, tais como o Cascalho (a quem se pode
atribuir a paternidade da expressão “magrinho”, tão
em voga na Porto Alegre da época, e que identificava a “galera”
jovem), Clóvis Dias Costa, Beto Roncaferro (que era o programador musical
da rádio), entre outros. Veiculava também um programa dos então
professores do cursinho pré-vestibular IPV, José Fogaça
(atual Prefeito de Porto Alegre) e Clóvis Duarte (Programa Câmera
Dois, na TV Guaíba). Inovava na locução, na linguagem,
na informalidade de seus locutores e apresentadores, no marketing, na propaganda-
que era feita especialmente para ser rodada em suas ondas -, contava com o comentário
diário do escritor Luis Fernando Veríssimo, entre muitas outras
novidades, sendo a primeira emissora “cientificamente” criada no
Sul especialmente para o público jovem e universitário. Isso numa
época em que tudo no país era muito “quadrado”, o
Brasil estava em plena ditadura militar, momento da vida nacional em que o “É
proibido proibir” do maio de 1968 descambou no pesadelo do “Nada
é permitido, inclusive pisar na grama”. E a Continental não
raras vezes bateu de frente com a ditadura e sua famigerada censura, tendo inclusive
sido retirada do ar em determinados ocasiões, além de ter que
conviver diariamente com o “bafo” dos censores.
Analisando-se o fenômeno em que se constituiu esta rádio - e sem
embargo quanto a todos os seus inegáveis méritos e o papel de
vanguarda em diversos aspectos, como já assinalado -, observa-se que
o trabalho de Júlio Fürst na Continental indiscutivelmente se revestiu
de um caráter único, não apenas pelo estilo próprio
de apresentar o seu programa, mas também pela proposta que destemidamente
bancou junto aos diretores da emissora, que trouxe conseqüências
espetaculares para o desenvolvimento e a divulgação do rock gaúcho
e da MPB feita no sul.
A história começa mais ou menos assim: Júlio, que é
baterista, atuava em um conjunto melódico (tocavam em bailes e festinhas)
nos anos 60, e no início dos 70 teve uma loja de discos na Avenida Independência,
então um dos points da juventude portoalegrense. Um amigo seu -que veio
a ser proprietário de inúmeras casas noturnas famosas na capital
gaúcha-, indicou-o para trabalhar na Rádio Pampa AM, que tentava
fazer frente à monopolização que a Continental estava obtendo
frente ao público jovem das classes A e B (e parte da C). O trabalho
de Júlio chamou a atenção da Continental, e após
um tempo ele e o seu “fiel escudeiro” Beto Roncaferro se foram de
“mala e cuia” para a concorrente. Inicialmente, Júlio apresentava
um programa de soul/funk americano, encarnando “Julius Brown”, um
negão “típico” do Bronx que transmitia em português,
embora o locutor seja um indisfarçável descendente de alemães.
Chegou a discotecar festas no Clube Floresta Aurora (entidade quase que exclusivamente
freqüentada pela comunidade negra da capital, que fazia festas semelhantes
aos bailes realizados no Rio nos anos 70, em que vicejavam Banda Black Rio,
Cassiano, Tim Maia, etc.), caracterizado como “negão black”
clássico, ladeado por duas dançarinas com cabeleiras black power,
na maior cara-de-pau. Então, ocorreu que, à época (início
de 1975), a fábrica de roupas gaúcha Renner (da qual se originaram
as Lojas Renner, hoje uma cadeia nacional) decidiu estabelecer uma espécie
de franchising com a Lee americana, para produzir no Brasil as calças
jeans como “originais”, tendo em vista que até então
as calças da marca que circulavam por aqui eram todas importadas. Nos
EUA, a Lee já tinha um programa transmitido coast to coast de música
country, inclusive promovendo shows ao vivo. A Renner, que queria justamente
penetrar na faixa de mercado do público jovem, propôs à
Radio Continental que a emissora produzisse e transmitisse um programa nos moldes
do americano. Então, “Julius Brown” foi aposentado e Júlio
Fürst passou a encarnar o “Mr. Lee”. Desta forma, a partir
de abril de 1975, Júlio apresentava (narrando em português, obviamente)
o programa do Mister Lee, encarnando uma espécie de cowboy brasileiro
e veiculando country americano. Em julho daquele ano, Júlio foi convidado
para ser jurado do Musipuc, o festival mais importante de música universitária
que se realizava na década de 70 em Porto Alegre. Encantado com a qualidade
dos trabalhos que viu e ouviu ali, teve a idéia luminosa de propor à
direção da Continental que os artistas locais gravassem suas músicas
no próprio estúdio da Rádio, no gravador de dois canais
constantes do Estúdio B, e que as músicas passassem a rodar em
seu programa. Os diretores acharam a idéia um pouco maluca, e disseram
que o risco seria do próprio radialista, caso aquilo redundasse num fracasso
de audiência. Júlio, corajosamente, decidiu abraçar a “bronca”.
A proposta - que inicialmente consistiu na oportunidade de os músicos
registrarem de forma semi-profissional seus trabalhos, gravando suas canções
nos estúdios da própria rádio, numa época em que
Porto Alegre não era dotada de estúdios efetivamente profissionais,
e, melhor ainda, com a veiculação iterativa e efusiva das gravações
no programa do Mr. Lee, e, posteriormente, inclusive na programação
normal da rádio - desembocou em um verdadeiro movimento musical sem precedentes
na cena portoalegrense, que não somente ganhou o Estado, como inclusive
marcou presença no Paraná, apresentando o trabalho dos gaúchos
aos paranaenses, e vice-versa. Foram shows e caravanas de músicos pelo
sul do país, com auditórios lotados e, não raro, tumultos
e fãs histérica(o)s. Quando os artistas apresentavam-se nos shows
denominados “Mr. Lee in Concert”, subiam ao palco não raro
tendo a platéia “na mão”, uma vez que o público
jovem já conhecia as músicas por ouvi-las reiteradamente antes
na rádio, não raramente cantando junto as canções.
Nestes shows – e nos shows individuais e coletivos que os artistas passaram
a fazer a partir daí - havia uma total identidade entre os espectadores
e os artistas, assim como eles, jovens típicos da classe média
gaúcha (e de outras classes também). Geralmente os artistas e
o público estavam imbuídos das mensagens de “paz e amor”,
de sonhos e utopias, nos rastros do movimento hippie e de outras viagens típicas
dos anos 70.
Além disso, as apresentações eram recheadas de toques
sobre a “liberdade” e o vazio do mundo do consumo, mensagens que,
diga-se de passagem, tinham que ser muito bem metaforizadas para conseguir “passar”
pela censura. Os shows, guardadas as proporções, eram traduções
miniaturizadas de Woodstock, festival americano no qual Júlio procurou
se inspirar, e em vários aspectos eram mesmo correlatos deste. É
claro que não tinham e nem podiam contar com toda a estrutura, a “piração”
e liberdade vigorantes nos EUA dos 60, afinal ainda estávamos em plena
ditadura, e a própria reunião de um grande número de jovens
em um local fechado já era muito mal vista pelos censores, que exigiam
que o radialista e os músicos lhe submetessem previamente o conteúdo
do que iam falar ao público. Mas com certeza, em termos de número
de atrações, qualidade, variedade, duração dos shows
(o show no auditório Araújo Vianna durou uma eternidade) e animação,
havia sim semelhança com o grande festival americano, guardadas as proporções,
enfatiza-se. É preciso destacar também que, naquela época,
meados dos anos 70, em que reinavam soberanos os vinis, os discos independentes
eram raríssimos, limitando-se a eventuais e bissextas “matérias
pagas” de algum “incauto” ou “milionário”,
de forma que o esquema do Mr. Lee proporcionou que artistas amadores (em termos
profissionais, não em questão de qualidade musical) e independentes
pudessem registrar o seu som e divulgar de forma totalmente gratuita o seu trabalho,
sem qualquer esquema de jabá ou coisa que o valha, muito ao contrário.
Pra não fugir da regra, tudo isto somente aconteceu porque na hora certa
estava no local certo a pessoa certa, com a atitude certa. Sem dúvida,
se não fosse a coragem pessoal do Júlio Fürst, então
no início de sua promissora carreira profissional de radialista e apresentador
(a que, após este ciclo, deu continuidade, já despido do personagem,
mas de forma não menos brilhante, na própria Continental e em
diversas FMs da cidade, sendo que atualmente desempenha na Rádio Itapema
FM), nada disso teria acontecido. É preciso lembrar que os fatos a que
fazemos alusão ocorreram num cenário em que não havia significativas
apostas em artistas jovens locais por parte da mídia - com raras exceções
de incentivadores, tais como o grande radialista Glênio Reis, Pedrinho
Sirótsky e o seu Transassom, bem como o suporte dado pela mídia
escrita, especialmente por Juarez Fonseca, Maria Wagner, Osvil Lopes e Nei Gastal
-. O contexto do mercado musical gaúcho era tal que os talentos surgidos
inevitavelmente tinham que migrar para o centro do país para obter maior
projeção e o merecido reconhecimento, sem que gozassem ainda de
um ilimitado prestígio por aqui, tal como ocorreu nos anos 60 com Elis
Regina e com o Liverpool (banda de rock tropicalista que na década seguinte
deu base ao também lendário Bixo da Seda). E é justamente
por conta desta realidade local, que a postura que Júlio decidiu abraçar
com unhas e dentes se afigurava então uma incógnita, e se apresentava
virtualmente temerária, não apenas comercialmente para a Rádio
Continental, mas inclusive para o próprio futuro profissional do radialista.
Com efeito, não havia muita referência acerca da viabilidade comercial
desta proposta inovadora, à época, mas é indubitável
hoje que, se não fosse pelo pioneirismo de Júlio e dos diretores
da rádio, que respaldaram a sua idéia, certamente o mercado local
de música em Porto Alegre não seria o que depois veio a ser, e
tampouco o que é hoje. E o que chama mais atenção, e que
nos revela que a coragem foi ainda maior do que se poderia inicialmente supor,
é a extrema qualidade dos trabalhos veiculados, o que indica que a diretriz
era no sentido de se promover um verdadeiro nivelamento “por cima”
junto ao público. De fato, Júlio não “facilitava”
para o público, não nivelava “por baixo”, não
“empurrava” músicas fracas e escancaradamente comerciais
“goela a baixo”, em busca de maior penetração junto
à audiência. Ao contrário, os trabalhos musicais que o Mr.
Lee apoiava não ficavam em nada a dever em relação ao que
era produzido de melhor, à época, no resto do país, em
termos de MPB, Pop e Rock. Júlio, com sua audácia e originalidade,
demonstrou que era (e é) possível sim veicular música jovem
de qualidade feita em Porto Alegre e obter com isso respaldo popular e resultados
comerciais em termos de faturamento da emissora.
Infelizmente, o programa do Mister Lee deixou de ser produzido em face do desacordo
havido entre a empresa patrocinadora e a direção da rádio,
quanto aos valores do contrato de publicidade. Deste modo, Júlio já
entrou o ano de 77 não mais como o cowboy, mas como “Mestre Júlio”,
e sem o “gás” que o patrocínio proporcionou em termos
de respaldo para a produção dos shows, que por serem coletivos
e durarem horas a fio, envolviam altos custos.
O fim do programa, em que pese a força que o radialista e o restante
da equipe da rádio continuaram dando ao som local, representou um considerável
revés para alguns dos trabalhos musicais que eram divulgados naquele
espaço. Alguns outros artistas da cena conseguiram manter uma projeção
ascendente em suas carreiras, em que pese tal fato.
Não seria arriscado dizer que possivelmente muitos de nós hoje
não conheceríamos os excelentes músicos que afloraram daquela
geração portoalegrense e gaúcha, que Júlio catapultou
em seu programa e nos shows que promovia. Alguns destes artistas, se não
fosse a ousadia do seu “empurrão” inicial, talvez não
se tornassem tão famosos nacionalmente no futuro, tais como Kleiton e
Kledir (então membros dos Almôndegas), Hermes Aquino (é,
aquele mesmo da Nuvem Passageira) e Joe (roqueiro que começou pela MPB,
vencendo uma das linhas da Califórnia da Canção, festival
de música regionalista gaúcha, como Zezinho Athanásio,
depois transmutando-se em “Joe Euthanásia” – observação:
não chegou a participar de show do Mr. Lee, mas era rodado no programa),
e Mauro Kwitko (autor de algumas das pérolas do repertório de
Ney Matogrosso em sua carreira solo). Além, obviamente, talvez não
viessem a obter projeção tantos outros nomes importantes que surgiram
naquele período, tais como Fernando Ribeiro, Gilberto Travi, Inconsciente
Coletivo, Nelson Coelho de Castro, e muitos mais. Mas não apenas isso,
se não tivesse acontecido o movimento capitaneado pelo Mr. Lee -naqueles
frenéticos dois anos aproximadamente em que o programa foi ao ar, do
meio para o fim da década de 70-, não seria delírio pensar
que muitos outros trabalhos importantes como os de Nei Lisboa, Bebeto Alves,
Gelson Oliveira, Totonho Villeroy, Vitor Ramil, Júlio Reny, Jimi Joe,
Wander Wildner, Frank Jorge - ou seja, um espectro que abrange o próprio
Rock Gaúcho dos Anos 80, que estourou Brasil afora -, talvez não
houvessem obtido tanta repercussão no futuro. Ocorre que vários
dos radialistas importantes surgidos na década seguinte (a grande maioria
inclusive hoje ainda na “ativa”), que deram o “empurrão”
inicial necessário para impulsionar as carreiras destes músicos,
eram fãs dos programas veiculados na Continental, e foram influenciados
de alguma maneira pelo “modelo” do programa do Mister Lee, adotando
a mesma postura de divulgar e apoiar valores locais novos em suas respectivas
rádios FM. Pode-se rastrear a influência da Continental AM, ainda
que de forma reflexa, na formatação das rádios Ipanema
FM, Atlântida FM, Unisinos FM (notadamente em sua versão inicial,
mesmo porque o seu criador assim o declarava), Band FM (o manager Kamarão
também reconhece a influência), Gaúcha FM (atualmente Itapema),
Pop Rock e FM Cultura (especialmente na época em que Zé Flávio
foi o Diretor de Programação). Ou seja, nas principais estações
de música jovem, rock e mpb da capital gaúcha.
Seguem abaixo alguns dos trabalhos e artistas veiculados pelo Mister Lee e
pela Rádio Continental AM nos anos 70 ligados ao rock (ou ao pop rock,
ou à MPB mais ligada ao pop). Não é ocioso registrar que,
em entrevista pessoal que Júlio Fürst me concedeu, perguntei-lhe
porque o Bixo da Seda, então o principal nome do Rock Gaúcho,
não fez parte do “circo” do Mr. Lee. Segundo Júlio,
isso deveu-se ao fato de que, embora tenha feito o convite ao empresário
da banda, o mesmo pediu uma alta soma à guisa de cachê, o que a
produção não tinha condições de cobrir, tendo
em vista que os valores alcançados pelo patrocinador mal suportavam os
custos de produção, sendo que os artistas (não raro dez
ou doze bandas por evento) rateavam apenas o que sobrava, após o abatimento
dos gastos, da renda da bilheteria.
- Inconsciente Coletivo: banda que misturava folk e mpb num formato “Peter
– Paul – Mary “, com João Antônio (atualmente
dono do Abbey Road, uma das principais casas de shows musicais de Porto Alegre,
na qual é sócio de Júlio Fürst), Alexandre (um dos
proprietários do Sargent Peppers, outra casa noturna importante da cidade)
e a (psicóloga) Ângela. Um som suave, com violas e vocais, bem
legal, em que se destacavam as músicas “Voando Alto” e “Terras
Estranhas”, gravadas em um compacto lançado em 77 pela gravadora
carioca Tapecar.
- Bizarro (posteriormente Byzarro): banda de rock progressivo, hard rock, jazz
e o que mais pintasse. Criada nos anos 60 sob a alcunha de Prosexo, contou em
sua formação com Carlinhos Tatsch (guitarra), Gélson Schneider
(baterista, que posteriormente pertenceu às bandas Trovão, Swing
e Câmbio Negro), Mário Monteiro (baixo) / Mitch Marini (baixista
que também integrou as bandas mencionadas de Gélson). Fizeram
vários shows em dobradinha com o Bixo da Seda. Destacam-se no repertório
“Sombras” e “Betelgeus Star”.
- Bobo da Corte: na época do Mr. Lee, a banda tinha na formação
Zé Vicente Brizola (filho do próprio e fundador do Bixo da Seda),
Gatinha (bateria, posteriormente atuou no Saracura em sua fase inicial), Chaminé
(baixo, depois Saracura) e Otavinho (guitarra). Fughetti Luz chegou a participar
de uma das formações desta banda, antes de entrar para o Bixo.
Rock direto levemente hard, numa levada bem juvenil, sendo de destacar “Genial
Colegial”.
- Almôndegas: Banda seminal da música gaúcha dos anos 70,
da qual participavam Kleiton e Kledir, e, ainda, Quico Castro Neves, Gilnei
Silveira e Pery Souza. Depois, saíram os três últimos e
entraram Zé Flávio, João Baptista e no finzinho (79) Fernando
Pesão, este na bateria. Transitava pelo rock, bossa nova, milongas, temas
regionais do Sul, Mpb e o que mais pintasse, com ótimas letras. Destaque
para a Canção da Meia-Noite, que foi trilha da novela Saramandaia
da Rede Globo, e Rock e sombra fresca no Quintal (ambas do genial guitarrista
Zé Flávio).
- Hallai-Hallai: banda de country/folk rock, num estilo bem acústico,
fazia um som muito legal, contava com Necão e Paulinho, entre outros
membros que foram se revezando, sendo que em 1987, com Jorge Vargas no baixo,
gravou um disco pela gravadora 3M, intitulando-se apenas como Hallai. Em destaque,
as músicas “Cowboy” e “Quando viajar pro Norte”
(esta de Fernando Ribeiro).
- Zé Flávio e o Mantra (posteriormente Mantra Jazz Rock circus):
Banda capitaneada pelo guitarrista Zé Flávio, o qual, antes de
monta-la, participou da banda-show Em palpos de Aranha, que também chegou
a se apresentar em show do Mr. Lee (a Em palpos era Zé, Cláudio
Levitan, Graça Magliani, Giba-Giba e Néri). O Mantra era formado
ainda por Inácio (baixo), Fernando Pesão (bateria, também
da banda instrumental Zacarias, que participou do Mr. Lee, posteriormente integrante
dos Almôndegas, Saracura e atualmente nos Papas da Língua), e Jakka
(percussão). Transitando entre o rock, o blues, a mpb, o tango, entre
outras milongas, sempre com uma pitada “latina” a la Carlos Santana,
fazia um som bem lisérgico e com muita energia. Destaque para “Dói
em mim” e “A Margarida do Brejo”. A banda terminou quando
Zé foi convidado para integrar os Almôndegas em 77, mudando-se
para o Rio de Janeiro.
- Élbia: cantora que fez parcerias com o jornalista, radialista e músico
Jimi Joe, apresentou-se no último show do Mr. Lee, realizado no Teatro
Leopoldina, em 76, tinha uma música maravilhosa, que não deixava
nada a desejar em relação à Rita Lee da fase Tutty Frutti,
chamada “Como meu quociente de pureza se manifestou diante da Sociedade”.
- Gilberto Travi e o Cálculo IV: MPB com pitadas de Jazz e blues, com
letras inteligentes e provocativas, nas quais eram utilizadas muitas das gírias
dos anos 70, com um especial sotaque portoalegrense. Participou em todos os
shows do Mr. Lee. Gilberto chegou a ser convidado por Liminha para gravar um
compacto pela Warner, que havia se separado da Gravadora Continental, na época,
e estava criando o seu cast, o que só não rolou em face da falta
de garantias financeiras mais sólidas, além da exigência
de que abandonasse a banda que sempre o acompanhou. Posteriormente, junto com
o próprio Júlio Fürst, com Beto Roncaferro, e com João
Antônio, formou os Discocuecas, banda impagável de “gozação”
e “tiração de sarro”, na qual restou muito bem canalizada
a face humorística que Gilberto também explora como compositor
e performer. Em sua faceta “séria” destaca-se, no repertório
de “Gilberto Travi e o Cálculo IV”, “Poluição”
e “Pretensão”.
- Hermes Aquino: sensacional cantor e compositor, traçava o que viesse,
do blues/rock à guarânia. Em sua fase tropicalista, nos anos 60,
foi pra Sampa e orbitou em torno dos poetas concretistas, junto com sua prima
Laís Marques e com Carlinhos Hartlieb, fechando parcerias com Tom Zé
e o grupo o Bando. Depois voltou para o Sul e foi um dos principais nomes dos
shows do Mr. Lee. Em face desta visibilidade, gravou pela Tapecar as músicas
Nuvem Passageira e Matchu Pitchu, sendo que a primeira foi trilha da novela
Casarão, primeiro lugar nas paradas de sucesso nacionais. Desentendendo-se
posteriormente com a gravadora Capitol, que lançou seu segundo LP, recolhendo-se
infelizmente em ostracismo em sua casa em Porto Alegre, o que vigora até
hoje, para a tristeza de seus fãs.
- Utopia: Trio acústico à base de dois violões de aço
(um deles de doze cordas) e violino, liderado por Bebeto Alves, contando também
com os irmãos Ricardo e Ronald Frota. Difícil de classificar o
seu som, feito de “viagens sonoras” típicas dos anos 70,
com muito improviso e músicas intermináveis, me arriscaria a dizer
que seu estilo era mais ou menos “psicodélico-acústico-progressivo”,
com pitadas de jazz cigano (em entrevista que me concedeu, o Bebeto associou
o som da banda ao Crimson de Robert Fripp). Desmanchou-se em 76 e lá
por 78 teve nova formação, bem maior, e com uma proposta ligeiramente
diferente da original, com Bebeto, Ricardo, Cao Trein, Zé Henrique Campani
(que também foi dos grupos Emergência e Metamorfose, que participaram
de shows do Mr. Lee) e até de Nico Nicolaiéwsky (passagem rápida),
dentre outros. Lá por 79 Bebeto começou sua carreira solo.
Uma colar de várias e inesqueciveis pérolas. Parabéns pelo resgate. Através deste teu material pude acessar várias bandas que infelismente acabaram e hoje não possuem seus trabalhos na prateleira.
Parabéns. Totalmente demais
mauro jansen, manaus-am 14/02/2013 - 02:31
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