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Teatro

O espaço da arte na sociedade playbeck
Alexandre Vargas


Foto de Fernando Pires

“O que pode o pensamento contra todas as forças que, ao nos atravessarem, nos querem fracos, tristes, servos e tolos?”.
Gilles Deleuze

SOMOS ARTÍSTAS EXILADOS. É como se um círculo de giz traçado na circulação de forças — nas igrejinhas cênicas e na cultura da sociedade do Estado do Rio Grande do Sul —, reservasse ao grupo Falos & Stercus o espaço do Hospital Psiquiátrico São Pedro como morada única. O Falos foi puxado e empurrado por todos os ventos e confinado, não obstante, a um percurso milimétrico, como um trapezista sobre um único fio, equilibrando-se em meio á tormenta e por cima do abismo. E a partir daí, nesse espaço do Hospital Psiquiátrico São Pedro, tornou-se a tela de projeção intensíssima da nossa sociedade. Poderia ser pior? Sim, poderia ser o necrotério! Quando chegarmos a isso será uma alusão de que a sociedade é um cadáver. Mas por enquanto vamos ficar nesse espaço de loucura.

O Falos & Stercus mantém uma postura que o envolve em polêmicas. Leva pessoas a idolatrar o trabalho, debater sobre, prendê-los, tecer comentários difamatórios em torno de sua produção e censurar sua obra. O teatro do Falos não fica de maneira alguma simplificado pelo fato de que seus integrantes deploram o modus operandi do teatro brasileiro, por razões tanto políticas como pessoais. No entanto é possível aprender observando a ação e a obra do grupo no contexto e nos meios dos quais surgiu.

Ponto de referência vital nas artes cênicas a partir de 1990, com infatigável ardor, o Falos & Stercus dedicou-se a esse espaço confinado do Hospital Psiquiátrico São Pedro desde 1999, o elevando ao seu extremo no início de 2001, ano em que se compraz a divulgar a estréia do espetáculo “In Surto”. A noção da intervenção cênica do Falos vai redundar em uma forte influência sobre vários grupos de teatro de Porto Alegre, os quais vão se alojar também no Hospital Psiquiátrico São Pedro nos anos seguintes. Fato que divulgou esse movimento artístico no Brasil.

Para realizar um olhar sobre os olhares é necessário contextualizar que há anos a cidade de Porto Alegre e o Estado do Rio Grande do Sul passa por um processo de desconstrução. O Grupo Falos & Stercus viveu entre 2000 e 2002 em diversos espaços, no Armazém Cinco do Caís do Porto, no Hospital Psiquiátrica São Pedro, na Ilha da Casa da Pólvora, no Memorial do Rio Grande do Sul, no Castelo do Alto da Bronze e na Usina do Gasômetro. No ano de 2002, governo Rigotto, o grupo Falos & Stercus foi expulso do Armazém Cinco do Cais do porto, pois o Secretário de Cultura, na época o Sr. Roque Jacoby, decidiu alugar os armazéns para realizar leilões de bois e vacas. A grande ambição de Roque Jacoby, naturalmente tratava-se de um enigma que postulara a reforma cultural do Estado do Rio Grande do Sul. Esse capricho e essa diligência de dedicação insana, mais tarde culminaria na falência do sistema LIC – Lei de Incentivo a Cultura.

Depois de historiar o nascimento desse espaço do teatro no Hospital Psiquiátrico São Pedro. O que mais intriga é a curiosa relação da narrativa do espaço da arte na sociedade. A atmosfera ameaçadora e misteriosa, dos pavilhões cinco e seis, possui um aspecto grotesco, que invariavelmente instiga a hilariedade, mas é uma síntese de característica ambígua de horror e humor. A vida e a arte no Brasil, muitas vezes pode ser traduzida por um sentimento de ser estrangeiro em nosso próprio país. Existe a questão de fronteira, e não são apenas físicas, mas sim culturais na complexa geografia de uma sociedade Playbeck.

Em 2008, o governo Yeda Crusius manda os grupos de teatro deixarem os pavilhões cinco e seis do Hospital Psiquiátrico São Pedro. Dias de guerras e contradições. Relato dispare que a mídia vem acompanhando com todos os aspectos que envolvem o Estado do Rio Grande do Sul num conflito de desmanche cultural e artístico. O momento ganha um destaque: a presença de um líder militar, um generalíssimo é nomeado Secretário de Segurança em um regime democrático. Um militar da importância de um general, com palavras de ordem tão eloqüentes entrando no jogo político? Bem, talvez agora a classe média possa fazer de conta que tem segurança para comprar a sua droga em paz.

Mas voltemos à questão — Ler os jornais de hoje é uma arte de interpretação dos sentidos ocultos. Chega a ser uma atividade lúdica. Entretanto as notícias surgem com toda força guerreando a nossa provisória percepção — Como afirmei antes de tudo, somos artistas e não figuras com um espírito exaltado, desprovido da fleuma e do equilíbrio necessários a criar em um hospício. A loucura e o terror como forma de controle social continua sendo a grande arma do poder de uma cultura de política brasileira. E a sociedade não economiza aplausos e manifestações de apoio.

Qual é o alvo? Que manobra têm os de cima para submeter os de baixo? A economia brasileira produz muita riqueza e uma massa enorme de excluídos é mantida calada sobre o cotidiano. A direita está aí, viva e dominante. Sua ideologia social é bem maior do que pensávamos. À esquerda esta liquecendo? Ou Liquidada? Vivemos numa era em que o anarquismo é financiado pela Petrobras. Os resultados das últimas eleições, municipais e estaduais, nos revelam que a sociedade gaúcha nas suas entranhas faz o mesmo movimento. A atual composição política do Rio Grande do Sul é a expressão do nosso modus vivendi: mudar para manter.

O trabalho desenvolvido pelo grupo Falos & Stercus abre o reino do incomensurável. Descerrando a cortina do medo, do horror, do terror, da dor e descobrindo a melancolia infinita que é incutida nos homens e mulheres do Brasil. Sou categórico, nesse contexto, ao exprimir uma concepção artística centrada no teatro, deixamos transparecer a nossa personalidade multifacetária, eclética de autores, que contribui de diversas maneiras para a reflexão e a história, não somente do teatro, como da arte em geral e da sociedade. Essa influência é evidente na composição da nossa obra. Por obra entendo trabalho, construção, consistência, produto, comunicação, estrutura. Obra é a materialização de trabalho, a forma de inserção do homem no espaço de inauguração de uma nova história.

Não podemos prever como viável a conjuntura da correlação política interna dos governos. Entretanto, sua maior força reside em uma base social relativamente grande que comunga ideologicamente com o pensamento reacionário — a cidadania efetiva é de poucos.

A passividade do morto sem morte é um niilismo estratégico de uma benevolência. O esquecimento é um repouso. Uma operação afetiva silenciosa e cansada que faz emergir um implícito de um crime de estratégia mundana. O que nos cansa é procurar (sem encontrar) o nosso lugar. O fôlego é encontrar formas de enfrentar o crescimento dessas forças, mas o artista outsider tem mostrado uma capacidade de sobrevivência estupenda. A mesma capacidade que os conservadores têm de se manter no poder.

Suave, hostil e tirânica sociedade de ventríloquos: abandonem certas conversações e nos proporcionem um pouco de possível, se não nós sufocamos. O pensamento jamais foi questão de teoria, de estatística, mas de vida. A trajetória da sociedade pode ser colocada por inteiro sob o signo de suas conversações. A sociedade não é uma potência. Não é uma potência porque têm grandes batalhas interiores risíveis (idealismo-realismo-reacionarismo, etc.). Não sendo uma potência, a sociedade não pode empreender uma batalha contra as potências (as religiões, os Estados, os partidos, o capitalismo, a ciência, o direito, a opinião publica, etc.). Não pode falar com elas, nada têm a lhes dizer, nada a comunicar. Os resultados são a miséria e o espólio.

A verdade é que se convive com desigualdades econômicas, sociais e culturais que não poderíamos aceitar como viável num regime democrático. Somente a confrontação transparente com os poderes corporativos, causas reais da deterioração humana, pode pôr um ponto final a esta lógica genocída e reconciliar uma sociedade civil desmoralizada. Se não, ventríloquos, continuem de joelhos!


22/08/2008

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