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Nostalgia do amor ausente, em Tcheco, e crítica por Gabriela Šmaiclová

No princípio era o amor

por Gabriela Šmaiclová

Um dos maiores desafios de um escritor, desde sempre, foi o de ousar em refletir sobre os grandes mistérios da existência humana e atingir sua percepção através da fantasia. Não raramente os artistas recorreram à religião para buscarem suas inspirações. As relações entre teologia e literatura foram e são discutidas por teólogos e críticos literários e dificilmente conseguimos retratar neste pequeno texto o longo caminho percorrido por eles. O certo é que hoje em dia existe uma reciprocidade entre os dois campos individuais; há empréstimos de linguagem, crítica mútua; a literatura pode ter grande poder teológico e uma obra teológica pode tornar-se uma excelente obra de literatura. A própria Bíblia pode ser interpretada como uma obra literária, talvez como um grande romance, com os personagens, tramas, estética, temas, técnicas, nela contidos e emprestados pela tradição ocidental. Northrop Frye na Introdução do seu livro O código dos códigos confirma:

“A abordagem da Bíblia de um ponto de vista literário não é de per si ilegítimo: nenhum livro poderia ter uma influência literária tão pertinaz sem possuir, ele próprio, características de obra literária. Mas a Bíblia era tão obviamente mais do que uma obra literária, seja lá o que este “mais” signifique, que uma metáfora quantitativa não ajudava muito. (...) A Bíblia certamente é um elemento da maior grandeza em nossa tradição imaginativa, seja lá o que pensemos acreditar a seu respeito.”

O conto Nostalgia do amor ausente que escolhi para traduzir em minha língua materna prendeu a minha atenção por vários motivos. Mas o principal foi a capacidade do autor de criar um discurso sobre Deus mantendo as características de uma narrativa literária, ou seja ao tratar de uma questão puramente teológica o conto continua a ser arte sem incorrer “em um tom edificante, de piedade leviana e de propaganda religiosa“3. Já o título da coletânea, da qual o conto referido faz parte, nos leva à semelhante idéia. “Além do medo e do pecado“4 trás um diálogo entre religião e literatura. Começando por ser dividido em livros com subtítulos bíblicos, conta histórias do cotidiano de indivíduos da sociedade - sempre em vínculo com a religião. Nessa perspectiva, o estudo dos contos situa-se na área da Teopoética.5
Nostalgia do amor ausente retrata a mais trágica história de amor. É o amor entre Lúcifer e Gabriel, dois arcanjos que foram separados quando Lúcifer abandonou o céu. O protagonista-narrador é Lúcifer, um personagem bíblico cuja existência é um dogma cristão assim como a existência de Deus. Ao estudar alguns textos sobre a história do Satanás como História Geral do Diabo de Gerald Messadié e Diabo no imaginário cristão de Carlos Roberto F. Nogueira, torna-se clara a importância do papel do Diabo no cristianismo. No Velho Testamento nunca se encontra “o conflito que colora tão fortemente o Novo Testamento, onde o Diabo aparece sempre como o inimigo de Deus e o Príncipe deste mundo, em oposição ao Rei dos céus”.6 O crescimento do poder do Diabo deu-se a partir do nascimento do cristianismo, até que a Igreja, embora acreditando que Jesus havia vindo ao mundo para salvar o homem do poder do Diabo, deixou de sustentar que ele estava totalmente vencido. A partir desse momento os demônios “invadiram os menores espaços da vida e, sobretudo se introduziram na alma dos indivíduos. Não são mais imaginados como criaturas maléficas provocadoras de calamidades e epidemias; eles são chamados a representar os desejos que cada cristão alimenta no fundo de seu coração sem se atrever a reconhecê-los como seus”.7 Além disso, o grande Inimigo tinha capacidade de se disfarçar de qualquer coisa ou pessoa – o mestre de máscara, segundo dizem, teria aparecido a São Martinho personificando Cristo!8 É assustadora a idéia de quase onipotência que o Diabo adquiriu durante o desenvolvimento da Igreja.

Gerald Messadié, em sua obra monumental, acentua o fato que o Judaísmo antigo não tinha representado nem Satanás nem os demônios como inimigos de Deus, mas antes como seus servidores.9 Lendo o Velho Testamento, temos que constatar que poucas são as menções sobre o Diabo, como o conhecemos. A serpente do jardim paradisíaco é para Messadié uma invenção original do Gênesis que prefigura Satanás.10 Ele aparece explicitamente,pela primeira vez, no Livro de Job. Ele faz parte do Conselho celeste, na qualidade de familiar de Deus e é enviado por Deus para tentar Job, ou seja, ele não passa de um instrumento da vontade de Deus. Segundo Messadié, essa é uma visão de Satanás enquanto deus inferior, mas mesmo assim deus.11

No conto, Lúcifer retrata justamente a idéia do Velho Testamento de ser inferior ao Senhor e de ser servidor que tem de cumprir o dever, apesar de que esse dever significa o maior sofrimento para ele, já que o separa do amor de Gabriel. Nenhuma vez aparece como inimigo de Deus. Lúcifer no conto é um grande conhecedor de teologia, do universo e dos homens; ele é o que traz a luz - o conhecimento. Mostra a sua magnitude e dimensão divina: nele está “a Vida e a Sabedoria, a plenitude do Belo e do Prazer”. Considera os homens mesquinhos – homens nunca podem compreendê-lo nem descrevê-lo: “os intermediários entre Deus e os homens (...) apelidaram-me de besta, dragão, serpente – pobres bichos!” – até nos olhos de Gabriel, Lúcifer é”indescritível”. Ninguém pode experimentar a saudade que ele sente, mesmo assim ele quer dizer a verdade para os homens. Negando a razão por qual teve que abandonar o céu, desafia os autores do Novo Testamento:

“Saí expulso, mentem. Na verdade, o Divino precisava que se implantasse a sabedoria entre vós, humanos, ou temeu que nosso amor ofuscasse o amor da Humanidade por Ele. Para isso enviou-me, deixando Gabriel em pia solitude.”

O divórcio entre Velho e Novo Testamento que ocorreu justamente com aparecimento do Diabo e de Jesus, e obviamente com o nascimento de cristianismo, parece ser a chave para entendimento do conto. Até que o Lúcifer do conto desdenha os Evangelistas: “Nas Escrituras, puseram em minha boca palavras que eu jamais diria (...)”, enquanto respeita as escrituras do Antigo Testamento: recita todos os salmos ao seu amor quando se encontra com ele na Terra. Gabriel no conto vem para Terra como Jesus. A idéia de que Jesus era um dos arcanjos não é nova. Alguns teólogos e alguns ramos do cristianismo identificam o arcanjo Miguel com Jesus e que encontram provas nas Escrituras.12 Anjo na Bíblia designa um mensageiro, um enviado de Deus... Mas deixemos essa problemática aos teólogos.

Voltando para a idéia de Lúcifer figurar como o servidor de Deus, Gabriel, também servidor de Deus, representa o “oposto perfeito” para o qual na língua portuguesa existe a feliz expressão Alma Gêmea. Essa, aliás, foi uma das maiores dificuldades na tradução do conto para tcheco. Em inglês, por exemplo, existe a diferença da expressão “soul mate” (para designar alguém com quem temos uma grande e profunda afinidade, amor, intimidade, sexualidade, espiritualidade ou/e compatibilidade) e da expressão “twin flame” ou “twin soul” (que retrata justamente a “alma gêmea”, a única outra metade da alma de alguém; para essa outra metade todas as almas são levadas para encontrar-se e juntar-se). Em tcheco existe somente o termo para “a alma afinada” ou “soul mate”. A idéia de dualidade contida na expressão Alma Gêmea não é somente um brilho da linguagem poética para dramatizar o amor do Lúcifer pelo Gabriel. Trata-se de uma idéia profundamente teológica.

Se Deus é no Antigo Testamento simultaneamente o Bem e o Mal, se a teologia do antigo testamento não concebe senão um pólo único no universo, conforme escreve Messadié, “o Deus do Bem, que é também o Deus deste mundo construiu este sobre o princípio do equilíbrio, e o Adversário é um dos dois termos do equilíbrio.”13 Essa idéia de dualidade aparece no conto sob forma quase gnóstica: o verdadeiro Criador se situa acima do Bem e do Mal, colocando o Gabriel no lugar do Bom Deus que é um deus secundário, em pé de igualdade com o Mau - com o Lúcifer. O distanciamento dos dois elementos contrários que juntos completam a unidade aconteceu no princípio de tudo e Lúcifer está sob as ordens do Criador:

“Também obedeço à Lei: busco, desde quando o Grande Vale ainda era somente sombras, Gabriel.”  
Lúcifer, quando se despede de Gabriel depois de tentar convencê-lo que renuncie a sua missão como Filho de Deus, percebe que o distanciamento do Gabriel faz parte dos grandes planos de Deus com os homens e que tudo o que vai acontecer é puramente vontade divina:

“Quando choramos, compreendi o que ele já sabia: trabalhávamos com o mesmo propósito, porém, atravessando luz e trevas nos milênios seguintes, não nos reencontraríamos. Ele derramou lágrimas de sangue, mas resistiu; eu, eu odiei o Criador.”

Como o maior drama do conto permanece o amor. O amor que nunca íamos atribuir ao Diabo, já que ele é a encarnação do Mal e amor é um sentimento bom; o Mal não é digno de amar. Alberto Cousté afirma que “o Diabo foi condenado precisamente ao mais atroz dos castigos: o da incapacidade de amar.”14 Segundo esse pensador, o Diabo tem nostalgia do céu. Walmor Santos contraria completamente essa tese, já que para ele “Amar é a maior das provações” e o Lúcifer não quer voltar para o céu, ele quer o amor do Gabriel:

Na verdade, instiguei-o a permanecer aqui. Negou-se. Tentei abrir-lhe os olhos, dizendo: nem o Criador, talvez, desconfia o quanto é belo o mundo que criou.

O Lúcifer de Walmor Santos não tem nostalgia do céu, ele adora a Terra.
Minha dor não é dor dos excluídos; é a nostalgia do amor ausente, a expectativa de amar no futuro.”

A conclusão do conto seria que o amor é a única verdade, independentemente de bem e mal, já que e a dualidade “bem/mal inexiste por ser indigno da Perfeição Absoluta”; é o movimento perpétuo de todas as coisas. É o único sentido pelo qual Lúcifer e Gabriel continuam a cumprir as suas tarefas. Os dois fizeram os maiores sacrifícios pelos homens – Gabriel queimou na cruz; Lúcifer tem que sofrer “a dor eterna”. O amor é a única verdade, logo, Deus é o amor. No final de tudo, quando o Julgamento Final acontecer, vai haver a desejada comunhão e o amor vai finalmente reinar:

“Consola-me a certeza de revê-lo quando tudo se cumprir. Neste dia não haverá passado, nem bem nem mal. Entre constelações voaremos, e nossas asas se tocarão tão sutilmente que até o hálito do Criador se aquecerá.”
O conto apresenta uma idéia maravilhosa sobre a trajetória de um dos personagens mais conhecidos, discutidos, temidos, recriados e recontados inúmeras vezes na literatura ocidental. O próprio texto é portador de uma reflexão autenticamente teológica sem perder o caráter literário; além de impressionar pela estética, foco e construção narrativas onde até ironia encontra o seu lugar (“(...)eu ainda não inventara a indústria do turismo nem o marketing do Paraíso é aqui e agora, em suaves prestações”), obriga-nos a repensar os conteúdos da fé.   
 
Stesk po nepřítomné lásce
Tradução de Gabriela Šmaiclová

Ticho vesmíru je naprosté pro toho, kdo mu neumí naslouchat: málokteří ho slyšeli; vzácní  nezešíleli. Vákuum má váhu všech světů, možná váhu Boha: bojím se, že ji neunesu. Někdy se cítím příšerně  sám, přestože na mě někdo čeká. A to čekání je nesmyslné, hrozné.

Slyšte mě, i když nemůžete rozumět.

Bůh ve své moudrosti pochopil: láska, jako ta naše, by se nevešla do nebe. A jako dobrý Pán chránil mezi dvěma toho slabšího. Prý jsem byl vyhnán, jak lžou. Ve skutečnosti Božský potřeboval, aby se mezi Vámi, lidmy, zakořenilo poznání, nebo se obával, že by naše láska zastínila lásku Lidstva k Němu. Proto mě poslal a zanechal Gabriela v oddané samotě. Toho dne jsme stvořili slova Stesk, abychom popsali to, co pocítíme k věčným „událostem“ a Naděje jako leitmotiv pro naše setkání.

Jmenuji se Lucifer: ten, který přináší světlo. Tak zpívali menší andělé, než jim byl tento zpěv zakázán. Od té doby má přezdívka zžírá čas a zvěstuje toho, který nastrahuje léčky. Domýšlivost: člověk Satanášovi ulehčuje a ztrácí se sám od sebe.

Vy, lidé, mě líčíte škaredého, podobného vaší mrzkosti. Co víte o životě a o lásce? Nikdy jste nezakusili stesk, který mě zraňuje. Až si usmyslíte poslouchat hromy uprostřed bouřlivé noci, naslouchejte pozorně  a uslyšíte můj hlas volající po něm. V těchto dnech mé slzy bičují zemi, dokud ta bolest nepoleví. A ve dnech slunečných uslyšíte Gabrielův hlas třesoucí se ve světle: pro něj je mé jméno melodií a v jeho zářivých očích mě uvidíte nepopsatelného.
Jsem milován, jak jsem řekl. Milovanější než Bůh, troufám si rouhat se: ode mě se neodloučíte vůlí. Ani Gabriel to nedokázal. Pokud Bůh potřebuje zázraky, oběti, bolest a zoufalství k tomu, aby si podmanil jednoho z Vás, já si Vás mezitím podmaňuji voayerstvím, odstíny lásky, požitkem stolu. Hleďte na prázdné chrámy o svátcích a přeplněné ulice při karnevalu. Pokud jsem Vám prozradil, co je hřích, bylo to proto, že jsem odhalil Vaše pokrytectví a tak Vás osvobodil od extrémů mezi Dobrem a Zlem, od těsných hranic nevědomosti (jsem ten, který přináší světlo, pamatujte). Proto mě prostředníci mezi Bohem a lidmi, s pocitem, že unikáte z jejich spárů, pojmenovali zvířetem, drakem, hadem – ubohá havěť!

Ptám se Vás: jak mě můžete popsat, pokud mě nechápete? Odpovídám Vám: protože konáte část mé filozofie a víte, že ve mě je ÂŽivot a Moudrost, hojnost Krásy a Potěšení. Vězte: člověk je neoddělitelný od hříchu a od poznání. Učte se: prostřednictvím jednoho se dostává k druhému; skrze oba se přibližuje Bohu.

Mluvil jsem o lásce, je to tak? Připomínám Vám tu myšlenku, protože vím: jedli jste ovoce Poznání, ale neumyli jste si oči v posvátném prameni, proto lehce zapomínáte. Tudíž Vám opakuji poučení: andělé nemají pohlaví; i tak má každý svůj dokonalý protějšek, tak jako v přírodě vše podléhá dualitěden/noc, ano/ne, nula/jedna (kromě dobro/zlo, které neexistuje, neboť je nehodné Absolutní Dokonalosti). Také podléhám Zákonu: hledám, od té doby, kdy nad Propastí byla pouhá tma, Gabriela. Je to on, kdo rozeznívá struny mé duše. Pamatujte: já jsem ten, který nese louč; on, ten který začíná věci. Byli jsme jeden a naše láska urážela bezúčelný mír andělů. Od toho odloučení jsme se viděli málokrát, ale stále se hledáme. Jednou přišel na Zem jako Syn Boží. A vykonal zázraky hodné dobrého čaroděje. I já, schovaný mezi nevěstkami a zloději, jsem mu tleskal. Znovu jsme se setkali na kamenech pouště.

Někteří napsali, že byl vyveden, aby se postil. Jiní, Âže já jsem ho vedl, abych ho pokoušel. Raději potvrdím, že to bylo jediné místo daleko od lidí  a od andělů, kde jsme mohli ulevit hrudi. Kameny, po kterých jsme kráčeli nesou znamení ohně. V Písmu do mých úst vložili slova, která bych nikdy neřekl, jako vyzvat ho, aby se vrhnul dolů z hor. Vizte, jaká hloupost hodná jedině lidí: copak jsem nevěděl o jeho křídlech? Vyzval jsem ho, ano, tomu můžete věřit, aby proměnil kámen v chléb. On řekl takovou hezkou větu, i když neužitečnou: nejen chlebem bude člověk živ. Odpověděl jsem mu ano, se slinami v ústech, a přitom jsem cítil chuť chleba a vzpoměl si na sklenice vína, hudbu a chlípná těla (Pochopili jste vlastně, že jeho první zázrak byl proměnit vodu ve víno pro přátele v Káně?). Ve skutečnosti jsem mu našeptával, ať tu zůstane. Odmítl. Zkoušel jsem mu otevřít oči a říkal mu: ani Stvořitel možná netuší, jak krásný je svět, který stvořil. A pozval jsem ho na procházku. Ruku v ruce jsme přeletěli zemské krásy (tenkrát jsem ještě nevynalezl turistický ruch ani marketing s heslem Ráj je teď a tady, v přijatelných splátkách). Recitoval jsem mu všechny žalmy a nabídl jsem se, poražený, aby se zřekl svého poslání a zůstal se mnou. Když jsme plakali, pochopil jsem to, co on už věděl: pracovali jsme pro stejný účel, avšak, až budeme procházet světlem a temnotou příštích milénií, znovu se nesetkáme. On prolil krvavé slzy, ale odolal; já, já jsem nenáviděl Stvořitele.

Stále se milujeme, to vím. Ale mezitím, co si užívám zlomyslnost, kterou připouští střed mezi manicheismem protipólů, on trpí přísnými limity dobra. Je kvůli tomu snad menší?
V některých nocích hledám nejvyšší vrchol Země a oddávám se poslechu kosmu. V srdci nejodlehlejší hvězdy se chvějí nástroje Vám neznámé, ale já je rozeznávám jeden po druhém. Utichám a nechávám je rozelkát vlákna mého smutného srdce. Potom od nich odtrhávám hlas, který zpívá, jediný, který se mě dotýká. Trpím stejnou úzkostí té písně a pláču milénia stezku. Tam se cítím jako ubohý smrtelník ve chvíli svého naprostého pokoření. Zakouším to, co vytrpěl Gabriel tenkrát v Golgotě.

Pokouším se o útěchu: on je mdlejší než postel bez milenců, pití bez alkoholu, oběd bez cigarety po něm. Milovat je největší ze zkoušek (slovo toho, který přináší světlo). Zbytečný a zoufalý přelétám Zemi a hledám stejný jemnocit u umělců a bez slitování mučím jejich duši, dokud nevypotí krev a vznešená díla.
Moje bolest není bolest vyloučených; je to stesk po nepřítomné lásce, očekávání milovat v budoucnosti. A myslet na věčnou bolest je hrozné. Utěšuje mě jistota, že ho znovu uvidím, až se vše naplní. V ten den nebude minulost, ani dobro, ani zlo. Mezi souhvězdími poletíme a naše křídla se dotknou tak něžně, že i dech Stvořitele se zahřej

Nostalgia do amor ausente

De Walmor Santos

O silêncio do cosmo é absoluto para quem não sabe ouvi-lo: poucos o escutaram; raros não enlouqueceram. O vácuo tem o peso de todos os mundos, talvez o peso de Deus: temo não suportá-lo. Em alguns momentos, sinto-me terrivelmente só, embora alguém espere por mim. E esta espera é absurda, terrível.
Escutai-me, mesmo que não possais compreender.

Deus, em sua sabedoria, percebeu: amor como o nosso não caberia no céu. E como bom Senhor, protegeu, dentre dois, o mais fraco. Saí expulso, mentem. Na verdade, o Divino precisava que se implantasse a sabedoria entre vós, humanos, ou temeu que nosso amor ofuscasse o amor da Humanidade por Ele. Para isso enviou-me, deixando Gabriel em pia solitude. Nesse dia, criamos as palavras Saudade para descrever o que sentiríamos pelo eterno devir e Esperança como leitmotiv para nosso reencontro.

Chamo-me Lúcifer: aquele que traz a luz. Assim cantavam os anjos menores até que lhes foi proibido este canto. Desde então, meu apelido corrói os tempos anunciando aquele que arma ciladas. Bazófia: o homem dispensa Satanás e sabe perder-se por si mesmo.

Vós, humanos, retratais-me de um feio assemelhado a vossa mesquinheza. Que sabeis da vida e do amor? Jamais experimentastes da saudade que me vitima. Quando pensais ouvir trovões em meio à noite tempestuosa, escutai com atenção e ouvireis minha voz clamando por ele. Nestas noites, minhas lágrimas chicoteiam a Terra até que a dor se atenue. E, nos dias de sol, ouvireis a voz de Gabriel palpitando na luz: para ele meu nome é melodia e em seus olhos luminosos me vereis indescritível.

Sou amado, afirmei. Mais amado do que Deus, ouso blasfemar: de mim, não vos apartais por vontade. Nem Gabriel conseguiu. Se Deus precisa de milagres, sacrifícios, dor e desespero para conquistar a um de vós, eu, no entanto, conquisto-vos pelo voyeurismo, pelas nuanças do amor, pelo prazer da mesa. Vede os templos vazios nos dias santos e as ruas superlotadas nos carnavais. Se vos revelei o pecado foi porque desvelei vossa hipocrisia, livrando-vos dos extremos entre o Bem e o Mal, estreitos limites da ignorância (sou o que traz a luz, lembrai). Por isso, os intermediários entre Deus e os homens, sentindo que escapais de suas garras, apelidaram-me de besta, dragão, serpente – pobres bichos! Pergunto-vos: como podem me descrever se não me compreendem? Respondo-vos: porque praticam parte da minha filosofia e sabem que em mim está a Vida e a Sabedoria, a plenitude do Belo e do Prazer. Sabeis: o homem é inseparável do pecado e do conhecimento. Aprendei: por um, chega-se ao outro; por ambos, chega-se a Deus.
Falava eu do amor, não é mesmo? Recupero-vos o pensamento porque sei: comestes o fruto do Conhecimento mas não lavastes os olhos na fonte sagrada, por isso facilmente esqueceis. Portanto, repito-vos o axioma: os anjos não têm sexo; ainda assim, cada qual tem sua alma gêmea, assim como na natureza tudo obedece à dualidade dia/noite, sim/não, zero/um (exceto bem/mal, que inexiste por ser indigno da Perfeição Absoluta). Também obedeço à Lei: busco, desde quando o Grande Vale ainda era somente sombras, Gabriel. É ele quem tange as cordas de minha alma. Lembrai: eu sou o que leva o archote; ele, o iniciador das coisas. Éramos um, e nosso amor ofendia a paz inútil dos anjos. Desde a separação nos vimos poucas vezes, mas nos buscamos sempre. Em uma delas, ele veio à Terra como o Filho de Deus. E fez prodígios dignos de um bom mágico. Até eu, enrustido entre prostitutas e ladrões, o aplaudi. Reencontramo-nos sobre as pedras do deserto.

Escreveram alguns que ele fora levado para jejuar. Outros, que eu o conduzi para tentá-lo. Prefiro afirmar que aquele seria o único lugar longe dos homens e dos anjos onde poderíamos aliviar o peito. As pedras que pisamos ficaram marcadas a fogo. Nas Escrituras, puseram em minha boca palavras que eu jamais diria, como desafiá-lo a se jogar das montanhas. Vede que idiotice digna somente dos humanos: então não sabia eu de suas asas? Desafiei-o, sim, nisso podeis crer, a transformar pedra em pão. Ele fez uma frase bonita, ainda que inútil: nem só de pão vive o homem. Respondi-lhe sim, com água na boca, sentindo o gosto do pão e lembrando taças de vinho, música e corpos voluptuosos (aliás, percebestes que seu primeiro milagre foi transformar água em vinho para os amigos em Canaã?). Na verdade, instiguei-o a permanecer aqui. Negou-se. Tentei abrir-lhe os olhos, dizendo: nem o Criador, talvez, desconfia o quanto é belo o mundo que criou. E convidei-o para um passeio. De mãos dadas, sobrevoamos as belezas terrenas (eu ainda não inventara a indústria do turismo nem o marketing do Paraíso é aqui e agora, em suaves prestações). Recitei-lhe todos os salmos e ofereci-me vencido para que ele renunciasse a sua missão e ficasse comigo. Quando choramos, compreendi o que ele já sabia: trabalhávamos com o mesmo propósito, porém, atravessando luz e trevas nos milênios seguintes, não nos reencontraríamos. Ele derramou lágrimas de sangue, mas resistiu; eu, eu odiei o Criador.

Continuamos nos amando, sei. Mas, enquanto gozo da malícia que admite o meio entre o maniqueísmo dos extremos, ele sofre os estreitos limites do bem. Será menor do que eu por causa disso?

Em certas noites, busco o pico mais alto da Terra e ponho-me a escutar o cosmo. No coração da estrela mais recôndita vibram instrumentos desconhecidos para vós, mas que eu identifico um a um. Calo-me e deixo-os plangendo as fibras do meu triste coração. Depois, deles aparto a voz que canta, a única que me toca. Sofro a mesma angústia da canção e pranteio os milênios de saudade. Aí me sinto um pobre mortal em sua hora de absoluta prostração. Experimento o que Gabriel sofreu daquela vez, no Gólgota. Tento o consolo: ele é mais insípido que uma cama sem amantes, uma bebida sem álcool, um almoço sem o cigarro depois. Amar é a maior das provações (palavra daquele que traz a luz). Inútil e desesperado, sobrevôo a Terra em busca de igual sensibilidade nos artistas e, sem piedade, oprimo-lhes a alma até que estilem sangue e obras sublimes.

Minha dor não é a dor dos excluídos; é a nostalgia do amor ausente, a expectativa de amar no futuro. E pensar em dor eterna é terrível. Consola-me a certeza de revê-lo quando tudo se cumprir. Neste dia não haverá passado, nem bem nem mal. Entre constelações voaremos, e nossas asas se tocarão tão sutilmente que até o hálito do Criador se aquecerá.

 

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