Em Roma, há alguns meses atrás, fuçava nas estantes da Feltrinelli em busca de algo interessante na seção de escrita e teoria literária. Em meio a dezenas de manuais que pretendem ensinar a escrever boa literatura através de fórmulas simples ou definitivas – e outros ainda que partem de sentenças realmente úteis, como “Recomenda-se utilizar recuo ao iniciar um novo parágrafo” –, acabei por encontrar um volume completamente diferente dos demais.
The secret miracle: the novelist’s handbook (826 National, 2010), que encontrei na edição italiana Come si scrive un romanzo. Manuale di scrittura creativa a più voci (Omero Editore, 2011), é organizado pelo escritor peruano radicado nos Estados Unidos Daniel Alarcón, e apresenta uma proposta interessante e original. Não obstante o título, Alarcón esclarece de saída que o livro não é um manual, propondo-se quanto mais a inspirar, consolar, entusiasmar ou mesmo irritar outros autores, a partir do conhecimento de múltiplas experiências literárias. Para tanto, Alarcón reúne dezenas de escritores, entre nomes consagrados internacionalmente e autores em início de carreira, para deles extrair suas experiências como romancistas, seus gostos estéticos, escolhas, métodos de escrita, rituais e dificuldades.
O volume organiza-se em 7 capítulos temáticos (Leituras e influências; Começar; Estrutura e trama; Personagens e cenas; Escrever; Revisão; e O final), cada qual composto de uma série de perguntas bem específicas.Assim, já na primeira, o livro nos revela o que os autores buscam em um romance (seja como leitores e como escritores), e as respostas são as mais distintas, indo da preocupação com uma trama bem montada e uma história bem contada, com personagens fortes e coerentes, à preocupação estética com a linguagem, com a precisão das palavras e as frases impecáveis, o ritmo e a musicalidade, a voz narrante singular e bem reconhecível, a manifestação de emoções e ideias, uma visão de mundo ou filosofia da existência que rege todo o romance, uma procura profunda sobre si próprio e seu lugar no mundo.
Outros questionamentos também revelam respostas interessantes e díspares, dentre os quais: Existe um romance ao qual você, como leitor, sempre retorna? O que ele lhe ensina? Como você mantém o equilíbrio entre a leitura livre e a leitura estritamente útil ao seu trabalho? Faz pesquisas antes de começar a escrever? Ela lhe ajuda ou pode acabar por limitar sua imaginação? Quanto tempo você leva para terminar uma primeira versão do romance? Que conselhos gostaria de ter recebido antes de começar a escrever seu primeiro romance? Você prepara um esquema da história, e segue-o fielmente? Como decide quem será o narrador (1ª ou 3ª pessoa; narrador onisciente ou limitado)? O quanto você “pega emprestado” de sua vida para construir um personagem? O que torna um personagem irresistível? O que faz com que um diálogo seja bom? Onde você escreve, e o quanto é importante o ambiente em que escreve? O quanto você tem consciência da influência de outros autores enquanto escreve? O que é preciso para que o romance tenha um final satisfatório? Como você percebe que o romance chegou ao ponto em que deve terminar?
A obra nos revela, por exemplo, um Paul Auster preocupado com a paixão e a potência da escrita; que evita ler outros livros de ficção enquanto está escrevendo, dando preferência a livros de história, ensaios e biografias; que tem Dom Quixote como fonte inesgotável de inspiração; que considera a escolha do narrador (1ª ou 3ª pessoa) a maior dúvida com que um escritor se depara, devendo ponderar longamente antes de chegar a uma resposta; que escreve num pequeno apartamento espartano e sem distrações, distante poucas quadras de sua casa.
Ficamos sabendo que Jennifer Egan passou um tempo na prisão para conseguir melhor capturar a atmosfera e as características do lugar; que escreve à mão e velozmente, obtendo uma primeira versão em poucos meses, mas levando anos para aprimorá-la; que não conhece muito da trama da história ao começar a escrever, mas que, acabada a primeira versão, faz um esquema exaustivo para entender o que produziu e auxiliar a revisão.
Um bom diálogo, para Colm Tóibín, antes de tudo tem bom ritmo; para Stephen King, deve soar realístico ao ouvido da mente; para José Manuel Prieto, deve ser inexato e vago como são as comunicações verbais na vida real; para Santiago Roncagliolo, revela o mundo interior dos personagens sem arrastar a narração; para Edwidge Danticat, deve conter argúcia, humor ou imprevisibilidade; para Amy Tam, um bom diálogo não deve ter nada de excessivo, nem tentar a todo custo ser brilhante e arguto.
Stephen King não dá importância para o local onde escreve, Adania Shibli passa o dia escrevendo na cama, sob a luz do sol, Josh Emmons pode escrever em cafés, parques e bibliotecas, até que as conversas alheias se tornem tão interessantes que prefira continuar a escrita no silêncio de casa. Andrew Sean Greer elege alguns livros para ter sempre por perto enquanto escreve, e não acredita em inspiração, só em constância no trabalho (“A inspiração vem quando se põe o traseiro na cadeira e se começa a escrever”).
O livro oferece, enfim, um mosaico variado e divertido que cumpre seu propósito de estimular e consolar o leitor-escritor, além de fazer com que confronte suas próprias experiências e ideias sobre a escrita com experiências e escolhas diversas (esse, o maior ganho com a leitura do livro), evidenciando aquilo que no fundo já se sabia: que não há um único propósito, um único modo, uma única metodologia no processo de escrita de uma narrativa literária como o romance. Não há receita que funcione para todos.
Senti falta de um último capítulo sobre Publicação, que questionasse sobre como ocorreu a publicação do primeiro livro dos autores, se o processo foi facilitado para a publicação dos posteriores, sobre a figura do agente literário (uma exceção, ainda, entre nós), sobre direitos autorais e adiantamento (este tão raro por aqui, embora bastante comum por lá). Embora o volume tenha entrevistado escritores de diferentes nacionalidades ou origens, a grande maioria encontra-se radicada nos Estados Unidos, e ali produz e publica, traço que poderia fornecer uma ideia mais clara sobre o processo de publicação naquele país e as diferenças com o nosso.
As experiências relatadas e os sentimentos revelados no livro, com muita probabilidade, estarão presentes no pensamento dos leitores quando forem se aventurar a escrever seu primeiro romance, ou mesmo daqueles já mais experienciados, quando derem início a uma nova narrativa. Pessoalmente, sinto que quando encarar a empreitada, esses relatos, de uma forma ou de outra, estarão flutuando em minha mente como palavras amigas a não deixar o desespero e o desânimo tomarem conta, e ao mesmo tempo como provocações a não deixar meu olhar comodamente estanque, a lembrar de que vale sempre lançar um outro olhar sobre aquilo que criamos.
Muito bem colocado. Não existe formula mágica para escrevermos um bom romance, isto não implica que devamos deixar de ler, estudar e conhecer as tecnicas de outros colegas de escrita.
João Carlos Zeferino, Cricima/SC 10/07/2012 - 19:44
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