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Como Escrever em Tempos Difíceis?
Caroline Rodrigues

Quando o mundo fica sombrio é quando precisamos do poder das histórias mais do que nunca. Mas durante os momentos horrendos demais, como uma pandemia global, gerar toda aquela benevolência da narrativa pode se tornar bem mais difícil. Notícias ruins podem afogar aquela voz interior que as pessoas criativas precisam ouvir e é fácil ficar desmoralizado. Então, para celebrar o lançamento do meu novo livro, "Never Say You Can't Survive: How to Get Through Hard Times by Making Up Stories" [Nunca Diga que não Consegue Sobreviver: Como Passar por Tempos Difíceis Criando Histórias, em tradução literal], eu perguntei para alguns dos meus escritores favoritos como eles conseguem se manter criativos durante os tempos terríveis que estamos vivendo.

Charles Yu (Interior Chinatown):
Chorar ajuda. Um minuto ou dois e, então, voltar. Eu também tento imaginar duas pessoas: Eu dez anos atrás. Se ele pudesse ver o que o Eu de agora está fazendo, que é escrever todos os dias o dia inteiro, ele diria “para de perder tempo, seu idiota”. A outra pessoa que imagino é um leitor por aí, que talvez venha a ler as coisas nas quais estou trabalhando e ria ou sinta algo ou se sinta menos sozinho por um instante.

Julia Serano (99 Erics: a Kat Cataclysym faux novel):
Às vezes, quando estou tendo dificuldades com a escrita, tento ouvir o meu subconsciente. Com frequência, essa voz lá do fundo começará a se fixar em um artigo ou uma passagem que eu li antes. Em muitas ocasiões, ao reler isso, vou encontrar algo que me dá uma nova ideia ou a chave que faltava para me ajudar com o que estou trabalhando. Mesmo que isso não aconteça, aquele breve momento de escapismo e quietude do meu subconsciente geralmente rejuvenesce o meu pensamento.

Rebecca Solnit (Men Explain Things to Me) [livro lançado no Brasil com o título "Os homens explicam tudo para mim"]:
A sua escrita não ignora o que você pensa, a sua escrita não pensa que o seu corpo é estranho, a sua escrita não vai resmungar com você por aquilo que você fez quando tinha onze anos, a sua escrita acha que é você que manda, então é a melhor coisa a se fazer nos piores momentos, assim como nos melhores, é o que eu descobri. Escrever uma frase é impôr o limite e algumas dessas frases são as estradas para sair do inferno.

Rachel Khong (Goodbye, Vitamin):
Nem é preciso dizer que escrever é difícil em tempos difíceis, mas escrever também é a única forma que eu conheço para passar por tempos difíceis. Escrever, apesar da sua dificuldade, é uma forma de processar - "processar" nem é a palavra certa aqui; talvez seja somente "moldar" - todas as coisas que estou sentindo, seja tristeza, ou raiva, ou mágoa. É uma forma de ser verdadeira comigo mesma, de aprender e talvez curar, ou só começar a me curar. Acho que o James Baldwin definiu bem: "Eu sei que se sobreviver a isso" - e por "isso" ele quer dizer qualquer coisa difícil - "quando as lágrimas pararem de fluir ou quando o sangue tiver secado, quando a tempestade tiver apaziguado, eu tenho uma máquina de escrever que é meu tormento mas também meu trabalho. Se eu puder sobreviver, eu posso sempre voltar ali, e se eu não me tornei um mentiroso, então eu posso usá-la e me preparar desse jeito para o próximo possível e inevitável desastre fatal".

Aimee Bender (The Particular Sadness of Lemon Cake):
Eu estou me apoiando em escritas de dez minutos durante a pandemia. Só registrando poucos fragmentos de frases. Porque no dia seguinte, talvez um desses fragmentos vai se alongar. Até mesmo um discurso sobre porque dez minutos não é tempo suficiente para fazer alguma coisa são palavras em uma página para se olhar depois.

Roxanne Dunbar-Ortiz (Not “A Nation of Immigrants”: Settler Colonialism, White Supremacy, and a History of Erasure and Exclusion):
Escrevi um livro durante a pandemia de 2020, durante a qual protestos em massa por justiça racial estavam me inflando de energia e esperança, enquanto uma eleição nacional extremamente conflitante aconteceu, seguida do fato de o perdedor se recusar a deixar o cargo. Escrita que focava em políticas injustas de imigração adquiriu repercussões adicionais de agricultores, trabalhadores da indústria frigorífica e entregadores, muitos dos quais sem documentos e em situação precárias, que arriscavam suas vidas para alimentar outros trezentos milhões de pessoas.

Jennifer Finney Boylan (Good Boy, SheÂ’s Not There):
Contar histórias é uma forma de fazer sentido em um mundo que tantas vezes parece um caos. Ver sua vida como uma narrativa, com algo com um fio que conecta quem você tem sido a quem você se torna - é um processo que tem me tirado do desespero muitas vezes e mais de uma vez chegou bem perto de salvar a minha vida de verdade.

Pagan Kennedy (“The Rape Kit’s Secret History“):
Como jornalista e escritora de não-ficção, eu não crio histórias; ao invés disso, eu pastoreio contos incríveis que ninguém contou ainda. Nos primeiros meses da pandemia, eu mergulhei na história de Marty Goddard, a inventora do kit de estupro e escrevi sobre a sua saga, conectando-a com os movimentos de reforma judicial dos dias de hoje. O New York Times publicou a minha história de 10.000 palavras em junho; ela tomou quase que a seção Sunday Review inteira. Leitores pareciam tão famintos por esse conto - muitas pessoas responderam compartilhando suas próprias histórias de abuso, bem como seus sonhos de um novo tipo de sistema judicial e de políticas públicas. No isolamento da pandemia, senti-me muito grata pela chance de teleportar para dentro das vidas de outras pessoas e de ressuscitar uma heroína perdida.

Gayle Brandeis (The Art of Misdiagnosis: Surviving My MotherÂ’s Suicide):
Eu era uma patinadora de competição quando era criança; quase todos os dias depois da escola eu praticava uma hora de acrobacias, traçando devagar 8s no gelo com a borda da lâmina, depois fazia uma hora de patinação livre, onde eu pulava e girava e acelerava pelo ringue como uma diaba. Como escritora, prefiro o equivalente à patinação livre, planar selvagem sobre a página, mas quando a vida desacelera as palavras, eu lembro que aquelas acrobacias, daquelas bordas, estão ali para mim, e eu me dou uma simples tarefa, uma restrição - uma sextina, digamos, ou uma história de 100 palavras, algo pequeno para jogar minha energia esgotada até que as palavras estejam prontas para voar de novo.

R.O. Kwon (The Incendiaries):
Algo que me ajudou a escrever em tempos difíceis, incluindo este último ano, foi formar e participar de pequenas comunidades que giravam em torno do ato de escrever em si. Tenho alguns grupos com amigos escritores com quem entro em contato diariamente: contamos uns para os outros se conseguimos trabalhar naquele dia ou não - e se nós escrevemos, no que trabalhamos naquele dia - e não consigo mensurar o quão salvador isso tem sido.

Michelle Tea (Against Memoir):
Aprendi que como eu me sinto em relação à minha escrita, ou como eu me sinto em relação ao ato de escrever, tem menos a ver com ela ser boa ou ruim e tudo a ver com o humor em que estou, o quanto de cafeína tem em mim, etc. Às vezes, a escrita que saiu de forma difícil é na verdade muito boa! Aprendi isso da pior forma e então eu só me esforço para manter minha bunda na cadeira e continuar, mesmo que pareça horrível. Outro truque que aprendi, do escritor Blake Nelson, é parar de escrever no meio de algo bem delicioso, onde eu sei o que estou fazendo e para onde a história está indo. Fica mais fácil e mais empolgante voltar àquilo do que se eu escrevesse toda uma cena e ficasse tipo "E agora?". Assim fica mais difícil de voltar. Boa sorte!

***

Tradução feita com exclusividade por Caroline Rodrigues. Se você tem interesse em traduzir seus textos, confira o trabalho da autora em www.carolinerodrigues.com.br

Confira a publicação original em inglês em https://www.tor.com/2021/08/11/12-authors-answer-the-question-how-do-you-write-in-tough-times//


30/09/2022

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  Caroline Rodrigues

Caroline Rodrigues é tradutora e escritora. Nasceu em São Sebastião do Caí/RS, em 1977, e atualmente mora em São Leopoldo/RS. Formada em Letras, Mestra em Linguística Aplicada e Pós-graduada em Tradução. Egressa do Curso de Formação de Escritores da Metamorfose, tem contos publicados em antologias da editora, publica textos em seu blog, na Revista Parêntese e no blog da Escritor Brasileiro. É autora do livro de contos Sempre tem uma cachoeira, pela Editora Metamorfose. Em 2022, participa da Oficina de Criação Literária da PUCRS.

caroline.letras@gmail.com


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