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Resenha

Não há conforto ao assistir Coringa
Glauco Keller

Há duas maneiras bastante claras pelas quais o filme Coringa, de Todd Phillips, pode ser analisado: sob a perspectiva psicológica da saúde mental e sob o olhar da revolução social. Em qualquer uma delas, o resultado buscado pela DC Comics terá sido atingido.

O filme se passa em 1981, em uma Gotham City suja por conta de uma greve dos lixeiros e dividida socialmente entre ricos e pobres. O milionário Thomas Wayne se propõe a limpar a cidade, candidatando-se a prefeito. Já Arthur Fleck é um comediante vivendo entre o sonho da glória, as alucinações e uma visível insanidade mental.

Desde que a onda dos super-heróis atingiu as telonas – gerando bilhões de dólares em arrecadação, a rival da DC Comics, a Marvel esteve um passo à frente, seja com os mutantes X-Men ou, mais recentemente, com a saga dos Avengers. O fio de esperança da DC se mostrou com a trilogia “O Cavaleiro das Trevas”, adaptada dos HQs e brilhantemente dirigida por Christopher Nolan.

Coringa é diferente. Sob a perspectiva médico-psicológica ou social, a interpretação de Joaquin Phoenix indica um caminho. Menos explosões, menos piadinhas nas horas das lutas, os chamados alívios cómicos, e mais complexidade, drama e realidade na composição dos personagens. O Coringa deixa de ser o vilão da história para se tornar um anti-herói (figura que rivaliza o herói, querendo, muitas vezes, apenas o mesmo que ele – como Apollo Creed, na série Rocky Balboa) mais humanizado, frágil e pronto para explodir.

A pobreza de Arthur Fleck e sua luta diária para sobreviver na Gotham City suja e desprovida de empatia geram no espectador, sob a perspectiva social, um olhar de pena e de vergonha do próprio riso na cadeira do cinema em relação a algumas situações pelas quais o personagem passa.

Ao ver Fleck se livrar da tristeza e da dor através da violência – evidente reflexo de seu passado –, o espectador é compelido a trocar o dó pelo asco e pelo medo. O ser digno de piedade, que me fazia me sentir mais religioso e mais rico ao mesmo tempo, não pode deixar, simplesmente, de existir, me deixando órfão e traído. Metáfora clara para o pobre e preto nas universidades e aeroportos brasileiros.

A liberdade do personagem, que se desvencilha das amarras sociais, choca e faz todos – dentro ou fora do filme – lembrarem o quão prisioneiros de um sistema nos tornamos. Questões como a falência do estado de bem-estar social, má distribuição de renda e concentração de riqueza nas mãos de poucos são temas evidentes no filme.

Já sob o prisma da saúde mental, a história do Coringa evidencia de maneira inquestionável como o ambiente social e não a genética (Coringa era adotado) constrói um psicopata assassino, fazendo nosso olhar se voltar para a psicologia comportamental-cognitiva, tão criticada por propor que as vivências e experiências sociais delimitarão aquilo que seremos ao longo de nossa vida e jogar nas costas dos governos a necessidade de educação e saúde dignas e adequadas às sociedades.

Assim, qualquer que seja a sua perspectiva favorita, Coringa vale a pena ser visto, e a tão destacada violência do filme não é descabida nem exagerada; é justificável e necessária. Além disso, as costelas e a magreza de Joaquin Phoenix incomodam o espectador o tempo todo. A trilha sonora é muito boa e o filme nos tira de nossa zona de conforto.


Glauco Keller nasceu em São Carlos-SP em 1975. É formado em Letras pela Unesp, é professor de língua inglesa e história da arte, é jornalista e cronista. Apresenta o Programa Alternativa A na Rádio Universitária e é colunista da Rádio CBN.


21/02/2022

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