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Turismo

O canto do Taim
Marta Helena Xavier

Saímos do Uruguai pelo Chuí. Pegamos a BR 471 no início da manhã. Aproveitamos o dia generoso em cores, luz e calor na medida exata. Um retorno sem pressa para os dias iguais. Mas, em nosso caminho ainda cabiam afagos de um pedaço de mundo por demais exuberante.

Não foi preciso muita estrada para encontrarmos as primeiras placas indicando a reserva do Taim. Logo a solicitação para velocidade reduzida. Iniciamos os 15 km da faixa que rasga o Taim de ponta a ponta com a expectativa de quem se acomoda em uma platéia antes do espetáculo.

Recuamos o pé do acelerador, desligamos o som do rádio, abrimos os vidros e nos preparamos para deixar a natureza assumir o comando. E foi assim que nossos sentidos iniciaram uma briga por nossa atenção. Ora os olhos tomavam a frente nos invadindo com um desfile de diversidade: tartarugas, capivaras, jacarés- do- papo- amarelo e marrecos. Revoadas sem fim de aves cortando o céu, que se pudesse, se ajoelharia para que passassem.

E quando nossos olhos pareciam se perder vinha a audição a nos cutucar com a batuta do vento regendo o canto de todas as aves. Um canto de vida ensurdecedor. Um encantamento para nós, ali, com nossa tosca humanidade pretensiosa. De repente a música silenciou, a visão pedia passagem.

Lá estavam elas, feito tocos de árvores largados no acostamento da estrada. As capivaras mortas. Dezenas delas esquecidas em fila no asfalto. Um trecho de estrada ainda sem cerca. E os carros, ah, os carros. Muitos cruzavam a estrada numa velocidade bem acima da permitida. Voavam agora os homens vestidos na sua arrogância. Deixavam um rastro de sangue inerte pelo caminho. Um baque arrastado, um grunhido e o silêncio.

Foi assim que o encantamento se desfez, assistindo o descaso de homens que apenas passavam apressados, como se, entre eles e seu destino, só o tempo existisse. Seguimos calados até o instante onde mais uma revoada de pássaros cruzou a nossa frente. Cantavam alto o seu protesto num bater ritmado de asas rebeldes.

As águas do banhado se misturavam com a vegetação e no meio delas os marrecos, cisnes-de-pescoço-preto, as garças e os quero-queros encontravam a abundância em mais uma refeição. Uma brisa leve trouxe com ela um aroma de terra molhada. Aos poucos cacos de lembranças foram povoando meus pensamentos e deixando para trás os corpos sem vida das capivaras.

O sol já se aproximava do meio dia, mas ainda escutávamos o eco de um canto dividido. A ode e o lamento de um mundo cheio de contrastes que teima em ficar de pé e também voar por aí.

20/11/2019

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Comentários:

Senti como se eu estivesse cruzando o Taim. Traduziu o contraditório com muita sensibilidade! 425509
VERA LUCIA DE OLIVEIRA, Canoas 09/12/2019 - 22:14
Marta, teus textos unem a habilidade com as palavras e uma sensibilidade singular. São palavras que nos tomam pela mão minha amiga! Que presente!
Débora Chiari, Garibaldi/RS 22/11/2019 - 06:29
Muito sensível e cativante
Bel, Rio de Janeiro 21/11/2019 - 19:50
Muito bom! Sensível e cativante
Maria Isabel, Rio de Janeiro 21/11/2019 - 19:49
Muito bonito o texto. E o Taim, claro!
Caue, Porto Alegre 21/11/2019 - 19:09
Parabéns Martha, muito tocante tua crônica, gostei muito! bjs carinhosos
Maria Inês Seronni Garcia, São Paulo/SP 21/11/2019 - 11:13
Linda crônica, Marta, apesar de um apontamento triste: pessoas que, nem mesmo em meio à uma reserva ecológica, tiram o pé do acelerador para apreciar a vida selvagem e impedir também de matar os pobres animais que tetam atravessar a pista. Tristes indicativos dos tempos difíceis que vivemos atualmente. Parabéns.
Adriano Gustavo Zerbielli, Porto Alegre 20/11/2019 - 22:35
Sensacional.! Obrigada por nos presentear com tuas crônicas!
Joice Daresbach, Cachoeirinha-RS 20/11/2019 - 18:39
Que lindo, Marta. Tens o dom de nos transportar para os teus sonhos, nos fazendo vivenciar por uns instantes o cenário e os acontecimentos que relatas. Muito bom!
Ana Maria Cavedon, Porto Alegre 20/11/2019 - 17:42

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  Martha Helena Xavier

Martha Helena Xavier é graduada como enfermeira pela UNISINOS, servidora pública da PMPA,aposentada. A escrita sempre perambulou pela sua vida sem maiores pretensões. Em 2018 fez uma oficina de crônicas na Metamorfose e atualmente é aluna do curso de formação de escritores na mesma escola. Participa do Curso Livre de Formação de Escritores da Editora Metamorfose.

martahx@yahoo.com.br


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