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Literatura

Os tablets na sala de aula
Cássio Pantaleoni

Matéria publicada há alguns dias em um periódico de Porto Alegre pede a nossa atenção. Não porque haja em seu conteúdo alguma coisa que esclareça ou acrescente um conhecimento que até então nos parecia desimportante, mas muito mais pelo modo recalcitrante de promover conclusões confusas sobre o uso de tecnologias oriundas do mundo digital. A reportagem referia a adoção dos tablets em escolas, saudando-o como instrumento capaz de melhorar o processo de aprendizado de jovens alunos, tornando-o mais divertido, em função das facilidades desses aparelhos sensíveis ao toque.

Pois o que assombra é o desaviso acerca das engrenagens que operam em favor do comportamento observado nas crianças. Os educadores relatam o interesse dos alunos pelos tablets, onde se verifica a facilidade com que “os dedinhos inquietos deslizam pela tela sensível ao tato e resolvem enigmas que exigem raciocínio lógico e coordenação motora”. E, para concluir, defendem algo que pretende encaminhar um novo atributo: a inteligência digital.

Se você oferecer um objeto desconhecido a uma criança, é bem provável que ela se interesse por ele. De fato, o interesse é tão grande que não basta observá-lo à distância; é preciso tocá-lo, revirá-lo, explorá-lo através dos sentidos. Todos os pais sabem disso – experimente levar o seu filho a uma loja de antiguidades e você poderá contar o número de vezes que recomendará, em alto e bom tom: “Filho, não toque nisso!”. Ao tomar contato com um objeto desconhecido, toda a criança evoca a sua curiosidade. Por exigência inata, nós precisamos nos relacionar com os objetos do mundo e compreender a sua função – como usá-lo. Essa experiência com os objetos exige o uso de nossas habilidades de processar informação – nossa cognição –, ora testando o seu uso, ora verificando sua consistência, ora descobrindo as suas características, ou mesmo testando-o em situações absurdas ou até mesmo destruindo-os. Para tanto, as crianças precisam de raciocínio lógico e coordenação motora. Por que deveria ser diferente com um tablet? Não há novidade.

Entretanto, não se pode ignorar que há certo deslumbramento com os dispositivos digitais sensíveis ao toque, mais do que com objetos comuns. Por que? Ora, o espaço interativo dos tablets também é um espaço de múltiplos objetos virtuais. A criança não está apenas diante de um objeto, mas diante de um objeto que guarda uma variedade de objetos virtuais em um único invólucro. E esses objetos se movem, piscam, diminuem, aumentam, fazem ruídos. Tudo muito colorido. São tantos estímulos que não há como não dedicar tempo para explorá-los totalmente. Mas em que medida essa interação com esses móbiles digitais oferece algo efetivamente distinto quando se trata do processo educacional?

Na verdade, é preciso aprofundar mais a nossa análise. A disposição da criança para interagir com os dispositivos digitais se nutre de um prazer semelhante àquele que ela tem quando brinca. Brincar proporciona prazer às crianças. É por isso que elas gostam tanto de brincar. Porém, se uma criança investe os seus dias apenas em brincadeiras, como ela aprenderá a linguagem escrita, a matemática e a ciência? Como terá contato com os processos de formação daquele conhecimento que permite construir tablets, aviões, redes internet etc? As crianças não precisam ir à escola para aprender a brincar em seus móbiles digitais. Brincar é a sua ocupação constante fora das escolas. A escola é o lugar onde – como ressaltam os cientistas cognitivos Susan Carey, Howard Gardner e David Geary – a tecnologia da educação deve ser utilizada para preparar essas mentes jovens para problemas para os quais não serão preparadas em situações comuns ou em brincadeiras. Dito de outro modo, a educação é uma tecnologia (método) que tenta compensar aquilo para o qual a mente humana tem dificuldades. E até onde alcança o meu conhecimento, na vasta maioria das vezes, as crianças não têm dificuldades para brincar (sempre lembro de um livro para estudantes de música onde o autor pedia ao aluno que não praticasse o que ele já sabia, procurando a auto-indulgência, mas que focasse os seus estudos em áreas onde ele tinha grandes dificuldades; ali se encontrava o segredo para o virtuosismo!).

Mas as confusas conclusões apresentadas na reportagem encontram seu ápice na expressão inteligência digital, como se tal inteligência fosse algo essencialmente distinto da inteligência que aplicamos para resolver problemas, ou como é preferível, o uso da lógica. Sempre que vejo tal entusiasmo na defesa de teses como essa, tentando promovê-las à categoria de área de estudo, recordo certa passagem do livro A Sociedade da Mente, escrito pelo co-fundador do Laboratório de Inteligência Artificial do MIT, Marvin Minsky, sobre o processo de aprendizado e ensino. Segundo Minski, o poder do que aprendemos depende de como o representamos em nossas mentes. O termo importante aqui é representação.

A questão esquecida então é: em que medida o conhecimento adquirido no uso dos tablets alcança uma categoria de representação diversa daquela que está ao alcance de qualquer outra brincadeira? Pense bem, escolha qualquer criança e ofereça um dispositivo digital sensível ao toque, eventualmente até crianças com certas necessidades especiais; provavelmente, sem nenhuma exceção, ela se manterá interessada no objeto, distraída em testar as suas funcionalidades. Ela ainda aprenderá como usá-lo mais rapidamente que muitos adultos. Por que? Por que a criança não teme o erro, não teme quebrar o objeto para compreendê-lo em sua totalidade. Isso não é inteligência digital; isso é a capacidade lógica humana – em qualquer grau –, operando sem receios, através do brincar. O que a criança aprende, mais profundamente, é que, diante dos objetos tradicionais do mundo, o dispositivo digital “é muito mais legal”. E se ocorre que uma delas venha a produzir uma sinfonia, ou escrever Crime e Castigo, isso não significa que os tablets cumpriram a função de ser mais apropriado ao processo educacional.

Defendo, sim, que se ofereçam às crianças esses novos objetos digitais, mas não baseado na pretensão de complementar o processo de aprendizagem. A aprendizagem pode estar mimetizada de brincadeira, mas uma coisa é bem diferente da outra. E se você teve tempo para pensar nisso, entre uma brincadeira e outra, você provavelmente concorda comigo


07/07/2011

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Comentários:

Apenas a título de correção do meu comentário anterior: onde se lê "teus ponto de vista" leia-se "teus pontos de vista", com a devida concordância.
Elroucian Motta, Porto Alegre/RS 13/07/2011 - 15:17
Concordo plenamente com teus ponto de vista. Há, nos dias atuais, um enaltecimento em excesso do "mundo digital", da "aprendizagem digital". Com certeza, são coisas importantes, pois já fazem parte do nosso dia a dia, do dia a dia de muitas crianças (falo isso com certa autoridade porque tenho uma filha de 4 anos), mas não se pode esquecer o outro lado da aprendizagem, aquele, digamos, mais humano.
Elroucian Motta, Porto Alegre 13/07/2011 - 14:56

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  Cássio Pantaleoni

Cássio Pantaleoni nasceu em agosto de 1963, em Pelotas, Rio Grande do Sul. Escritor, Mestre em Filosofia pela PUCRS e profissional da área de Tecnologia da Informação. Vencedor do II Premio Guavira de Literatura, na categoria conto, em 2013, com o livro “A sede das pedras”; finalista do Jabuti de 2015 com a novela infanto-juvenil “O segredo do meu irmão”. Segundo lugar na 21a. Edição do Concurso de Contos Paulo Leminski; duas vezes finalista no Concurso de Contos Machado de Assis, do SESC/DF; duas vezes finalista no Premio da Associação Gaúcha de Escritores (AGES). Desenvolve workshops sobre leitura, técnicas de escrita ficcional e filosofia aplicada à literatura. Obras Publicadas: “De vagar o sempre” – Contos – 2015, “O segredo do meu irmão” – Novela infantojuvenil – 2014, “A corda que acorda” – Infantil – 2014, “A sede das pedras” – Contos – 2012, “Histórias para quem gosta de contar histórias” – Contos – 2010, “Ninguém disse que era assim” – Novela – 2006, “Os despertos” – Novela – 2000.

cassio@8inverso.com.br
www.sextadepalavras.blogspot.com
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