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Literatura

O livro Toy Story para iPad: uma revolução?
Marcelo Spalding

Tenho escrito diversos textos sobre o livro digital, em especial insistindo que livro digital não é livro em PDF, onde simplesmente se reproduz a diagramação e o texto da versão impressa para uma outra mídia, com custo nenhum de impressão e distribuição. Só agora, porém, depois que adquiri um iPad neste Natal, posso começar a trazer exemplos do que já está sendo feito nesse sentido. E acreditem: é tão fascinante quanto polêmico para nós, amantes de livro, literatura, palavras.

O aplicativo Toy Story para iPad, desenvolvido pela Disney Digital Books (isso mesmo, a boa e velha Disney, e não um autor específico ou uma editora tradicional) explora com maestria as potencialidades do novo suporte (interatividade, multimídia), mas mantém o texto como centro da narrativa, aliando ao texto a contação de história, tão importante para crianças em idade pré-escolar.

Já na primeira página percebemos que a ilustração é animada, então primeiro temos uma animação elaborada até que a cena congela e surge o texto (em inglês, naturalmente). Então, a primeira surpresa: o texto é lido por um narrador, enquanto as palavras que estão sendo lidas vão sendo destacadas. No menu de opções, o usuário descobrirá que ele pode gravar sua própria voz contando a história (aí na língua e da forma que desejar) e depois dar o iPad para seu filho, sobrinho ou aluno ouvir a história salva na sua versão.

Além do texto, algumas páginas, quando congeladas, trazem um ponto indicando a possibilidade de clique, e se o usuário clicar ouvirá vozes ou som das personagens, complementar mas não necessário à história. Além disso, no topo ele encontrará um ícone, e clicando ali será remetido a uma ilustração para ser colorida. Com o passar das páginas, descobriremos que além dos desenhos para colorir também há ícones para jogos (com três níveis de dificuldade distintos) e músicas (exibidas em formato de clipe, com a letra sendo destacada, o que ajuda muito para quem está aprendendo inglês). É interessante notar, porém, que nem todas as páginas tem esses ícones extras, e eles não se repetem na mesma página, o que de certa forma não sobrecarrega o leitor, desviando sua atenção da história que está sendo contada.
Abaixo da tela há um simpático Mickey lendo um livro, como se fosse o leitor, e clicando sobre ele o usuário ativa um menu com diversas opções, como pular de página, mudar a forma como as páginas são passadas (há inclusive a opção de virar a página automaticamente), ouvir ou não o narrador, gravar sua própria narração, tutorial, acesso direto aos jogos, às pinturas e às músicas.
O vídeo abaixo mostra algumas dessas funcionalidades:

A história em si, e não poderíamos nos furtar de comentá-la, repete o que já vimos nas versões cinematográficas de Toy Story, mas é interessante notar como o texto conduz a narrativa e os jogos e animações tornam-se complementares ao envolvimento com a história, cumprindo um papel que a ilustração e, em alguns casos, a contação de histórias já tem feito.

Naturalmente, num primeiro momento ficaremos embasbacados e daremos a Toy Story o epíteto de revolução na literatura, papel que hoje atribuímos a Dom Quixote no que tange ao romance ou a Edgar Allan Poe em relação ao conto. Mas será que estamos diante de uma revolução ou a literatura, em especial a infanto-juvenil, já vem aos poucos ampliando sobremaneira sua linguagem, aliando ao texto ilustrações, diagramações, por vezes até formatos de livro diferenciados? Isso sem falar nas contações de história, nos livros com CD de música, nos livros que trazem senha de acesso a jogos online, nos livros brinquedo, etc.

Por outro lado, muitos dirão que Toy Story não pode ser confundido com literatura, que esse aplicativo é algo mais próximo ao cinema do que à literatura e que o rótulo de livro digital não seria adequado a ele. Mas o que pode ser considerado livro, então? Apenas os códices em papel, ainda que coloridos, de capa dura, fartamente ilustrados?

Entre a euforia e o descaso, para mim esta versão de Toy Story tornou-se um paradigma das possibilidades do livro digital e da literatura nesse contexto, evidenciando que o texto pode, sim, ser protagonista para contar uma história, e muitos leitores, crianças ou adultos, irão preferir conduzir a história no seu ritmo da leitura a assistir desenhos animados num ritmo pré-determinado pelo diretor. Em Toy Story, um universo ficcional é construído e explorado nas suas mais variadas formas, da música aos jogos, da animação ao texto, e embora o texto perca, nessa nova era, seu status privilegiado e quase monopolista, ele segue sendo fundamental para a construção narrativa, para o ritmo, para costurar toda a gama multimídia de possibilidades numa história una e integrada.

Evidentemente o mesmo leitor que se deixa encantar por essa versão de livro digital de Toy Story continuará indo ao cinema assistir suas animações e buscando livros tradicionais para ler, sejam eles da prateleira ou de dentro do próprio iPad. Basta olharmos para um exemplo desses para percebermos que o livro como hoje conhecemos não vai acabar porque o livro digital é diferente do livro impresso, e assim como cinema, teatro e televisão convivem há mais de meio século, os formatos distintos de livro podem coexistir por muitos e muitos anos, um crescendo, aprendendo e se reinventando com o outro.
Talvez o aspecto mais preocupante, aí sim, seja a complexidade para se desenvolver um aplicativo como esse livro digital e a necessidade de um alto investimento financeiro. Não por acaso este Toy Story é assinado pela Disney (há, também, uma versão digital de Aventuras de Narizinho feita pela Globo Livros). Também é discutível se os leitores de um livro digital multimídia e interativo serão leitores, depois, de livros tradicionais, não multimídia nem interativos.

De qualquer forma, e isso me parece agora o mais importante, a leitura não está ameaçada, e assim a literatura também irá sobreviver a este e novos séculos, a esta e novas invenções. Reinventada, talvez, em novo suporte, decerto, mas permanecerá encantando, representando e revolucionando seu tempo.
 


07/01/2011

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Comentários:

Marcelo,você escreveu este texto em 2011.Acompanhei pelos comentários o debate e reflexão que ele provocou.Sete anos depois vejo com alegria apesar de todas as "novidades" tecnológicas, a leitura e a literatura continuam sobrevivendo.Fico admirada com o número de pessoas interessadas em ler, escrever e publicar bons livros.Sobre os novos suportes, torço para que eles não "apaguem" o encantamento que um bom texto produz!
Ana Lucia Rodrigues Lopes Santana, Americana 13/08/2017 - 19:09
"Evidentemente o mesmo leitor que se deixa encantar por essa versão de livro digital de Toy Story continuará indo ao cinema assistir suas animações e buscando livros tradicionais para ler, sejam eles da prateleira ou de dentro do próprio iPad." Não acho que isso seja evidente. É importante ressaltar que as crianças pequenas precisam ser iniciadas no mundo da literatura por meio dos livros tradicionais, impressos. A meu ver, toda essa tecnologia e esses recursos fantásticos, animados e coloridos, não permitem à criança desenvolver seu tempo para leitura, aprender a se concentrar no que está sendo lido. Hoje em dia tudo é muito rápido, dinâmico, há um excesso de informações e vemos como resultado crianças super espertas, mas também super agitadas, sem paciência para brincadeiras corpo a corpo, por exemplo. O vício em tecnologia é um perigo real e eu acho que devemos ter cautela ao apresentar o livro nesse formato digital, que para mim se aproxima mais de um jogo eletrônico, do que de um livro ou até mesmo de um filme. Muito bom seu texto, me fez refletir!
adriana, salvador 15/08/2016 - 12:05
Marcelo, uma revolução em termos de quê? De tecnologia, de comércio, de bem-estar e comodidade para o usuário? Do ponto de vista da comunicação - emissor - conteúdo - meio - receptor - toda a inovação deve provocar alguma instabilidade na transmissão da mensagem. Literatura é comunicação, e comunicação é interpretação. "Ora - escreveu Augusto Meyer -, interpretar, de qualquer modo, é dar ao texto um conteúdo subjetivo, nem sempre no mesmo sentido intencional que lhe dera o autor". Cabe, então, a pergunta: o livro digital e seus aplicativos até que ponto pode influir ou não o leitor, no momento do ato interpretativo do pensamento do autor? Dependendo da resposta, teríamos aí um critério de avaliação dessa nova realidade. Um abraço. Gerson.
gerson de ramos sebaje, Pelotas-RS 12/08/2014 - 12:10
Olá, Marcelo teu artigo está ótimo para um debate.Concordo que o avanço da tecnologia é extraordinário.A internet coloca o mundo a nossos pés.As crianças e os jovens ficam cada vez mais encantados com os recursos que têm em suas mãos cada dia maiores e mais aperfeiçoados.Contudo ,indago todas as crianças e todos o jovens de qualquer classe social têm possibilidade de alcançarem estes recursos? Na minha opinião o livro impresso nunca vai acabarDiziam que com o advento da televisão o rádio ia acabar,no entanto o rádio não desapareceu.Com o DVD o cinema ia desaparecer,contudo as salas de cinema continuam lotadas.Acho que todas as artes e a cultura convivem e se manifestam ao mesmo tempo uma completando a outra : a literatura,o teatro ,o cinema ,a música, a dança claro, de acordo com a evolução dos tempos. O livro impresso,ainda mais o livro de bolso, tem a vantagem que podemos usá-lo em qualquer lugar ,no gabinete dentário,no consultório médico ,no ônibus,na cabeceira da cama,etc. Acho também que cada vez mais surgem novos escritores de todas as idades.O importante é hajam cade vez mais leitores em todos os meios de comunicação.
Suely Braga, OSÓRIO RS 19/01/2011 - 22:51
Grande primo! Ótimo texto! Sua reflexão é digna de quem está pronto para avançar, ao contrário dos que naufragam abraçados às suas limitações. Qual o propósito do livro? Entretenimento? Informação? Conhecimento? Cultura? Todos estes propósitos podem ser atendidos com maior abrangência e profundidade num disapositivo digital. Penso que apenas um grande valor pode se perder quando o complementar excede a essência: a ABSTRAÇÃO. Quanto mais detalhes e informações são sugeridas sobre um conceito, mais se limita a capacidade de abstração sobre este conceito. Assim, a imaginação pode se perder nos bytes e desparecer, dando lugar à CONTEMPLAÇÃO. Acho este o maior problema. Mas, sobre esta discussão, cabe uma grande correção: livro digital não é o que se encontra no iPad, mas sim no Kindle da Amazon. Este, sim, um dispositivo que substitui completamente o livro de papel. Comprei um destes e fiquei fascinado. Pela simplicidade. Nada de mirabolantes efeitos interativos. Apenas uma tela sem iluminação que é praticamente igual ao papel, o que não cansa os olhos, e recursos simples porém úteis como controle sobre o tamanho da fonte e o espaçamento entre linhas, memorização automática da última págiona lida, ferramenta de marcação de texto para posterior leitura, bateria que dura mais de 20 dias e o principal: conexão 3G de graça no mundo todo para aquisição de e-books do acervo da Amazon e apra assinatura de periódicos. Leitores de livro que não conhecem esta ferramenta, comprem pelo site da Amazon que chega em sua casa direitinho, com imposto pago e tudo.
Mário Verdi, Porto Alegre / RS 11/01/2011 - 14:45
Marcelo, bom texto. Há que se notar, no entanto, que "Livro Digital" é um termo tão inadequado quanto as pretensões desses "Interactive Digital Applications - IDA". Além do mais, isso já podia ser feito via software há mais de 10 anos. O Ipad é um computador onde roda software. A questão ainda permanece: qual o objetivo de uma IDA? Perceba que quem interage com o IDA não é mais um leitor, mas um usuário. E quem contrói uma DMA não é mais um escritor, é projeto de uma empresa. Quando alçamos alguém à condição de usuário de um conjunto de features (características) como as disponibilizadas em uma IDA, transformamos esse usuário em um consumidor amplo, expandido. O que isso significa? Será uma transição para um modelo onde o consumo (uso) se torna mais urgente do que a leitura? Por que manter o texto, então? Não parece que estamos migrando de uma circunstância cultural, onde antes o texto nos convidava a imaginar,para uma outra circunstância em que só uns poucos imaginam e entregam ao outro tudo já previamente imaginado? O que vem depois disso? Não estou certo de nada do que escrevo aqui, mas estou certo de que cultura é aquilo que se cultiva. Pra pensar, amigo, pra pensar. Abração CP
Cassio Pantaleoni, Porto Alegre/RS 11/01/2011 - 02:06
Bem vindos ao Admirável Mundo Novo. Sou fotógrafo, pretenciosamente quero alertar que passei pro isso: a mutação da midia, do suporte, porém foto ainda continua sendo FOTO. Agora em outro suporte, agora com outra midia de visualização, agora com outro.... "timing". Me vejo FASCINADO... repito: FASCINADO com o que minha filha de 13 anos faz com os registros de imagens no suporte digital (isso se chama fotografia SIM). Essa garota esta fazendo, acontecendo e abusando no que toca a LINGUAMGEM. Isso para focar num único ponto. Então, ao fazer meu "reles" trabalhinho de registrador de imagens, tenho que pensar em tudo isso e muito mais que a facilidade/diversidade/acessibilidade/agilidade/instantandeidade...etc... da foto digital proporciona e nos cobra. Bah, assunto polêmico..... Voltando então pro foco... na leitura (ops, não citei LITERATURA) qual o problema do suporte IPod e seu concorrente? Vou ler (!) Paulo Coelho ou um Machado de Assis independente do suporte, ok? Em setembro de 2003 fiz a opção: abandonei a fotografia de suporte convencional e passei e focar apenar na fotografia digital (suas caracteísticas, suas virtudes e seus pontos negativos). Hoje estou indo na correnteza. Gente das letras, dos livros, antenáivos (do verbo se antenar ). Marcelo, valeu, vai ser um debate e tanto.... Abs..
Luis Ventura, Porto Alegre - RS. 10/01/2011 - 23:39
Marcelo. Esse sistema do ipad parece ser desenvolvido baseado nos brinquedos da "Leap Frog", uma marca norte-americana que incentiva a leitura. Utilizo com meu filho esses brinquedos didáticos, especialmente uma caneta que "lê". Pena que não se exporta para o Brasil. Vale a pena conferir na internet. Abraço
Mauricio Souza, Athens/GA 10/01/2011 - 17:38

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  Marcelo Spalding

Marcelo Spalding é professor, escritor com 8 livros individuais, editor de mais de 80 livros e jornalista. É pós-doutor em Escrita Criativa pela PUCRS, doutor em Literatura Comparada pela UFRGS, mestre em Literatura Brasileira pela UFRGS e formado em Jornalismo e Letras.

marcelo@marcelospalding.com
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